segunda-feira, agosto 11, 2003

Cardoso

O professor Cardoso teve honras públicas, no passado sábado. Bem merecidas.
Em Borba, o professor Cardoso é uma espécie de personagem de um livro de Gabriel Garcia Marquez. Cego de nascença, dotado de uma extraordinária capacidade intelectual e com uma actividade cívica invulgar, ainda mais evidente numa terra onde quase tudo parece adormecido, foi professor de português e de francês da maior parte dos actuais borbenses. É uma figura muito popular em Borba e em Estremoz.
O professor Cardoso é um clássico. Cultiva uma nobreza de carácter, aliada a uma certa altivez de temperamento e a uma rígida formação moral. A fina e inteligente ironia do professor Cardoso é um modo natural de se expressar em qualquer meio em que se mova. A sua conduta prática é uma manifestação da dignidade do ser humano, livre e empenhado. Com causas e sem medos.
A sua presença na Assembleia Municipal de Borba (AMB), como eleito da CDU, configura um caso típico da expressão latina margaritas ante porcos. Isto porque, depois da primeira frase do professor Cardoso, a quase totalidade dos restantes membros da AMB já não compreende o que está a ser dito: não só porque estes autarcas têm um vocabulário bastante reduzido, como também porque não alcançam um pensamento que seja um pouco mais complexo do que um diálogo de telenovela.
E o professor Cardoso nunca facilita. Eleva o debate do local para o global, contextualiza os factos em discussão, e fundamenta as suas opções com um pensamento lógico, filosofica e ideologicamente sustentado. Cita autores portugueses de cor, adaptando as frases ao contexto da contenda argumentativa e, com isso, deixa exasperados os pobres de espírito dos autarcas, cujo triste ego incha com demasiada facilidade.
Convenhamos: é um feito ser cego e, ainda assim, ser rei.
Parabéns, Cardoso. Bebo uma cerveja consigo.
CC

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