sábado, agosto 09, 2003
mais polémica
Nunca pensei em defender Ratzinger, mas nunca se pode dizer «desta água não beberei».
Miguel Vale de Almeida, novamente aqui, replica à minha resposta. Eu trepliquei.
Ficam aqui os registos:
O de MVA:
«Mais Ratzinger
O comentário de CC merece um contra-comentário. O problema quer da teologia, quer das notas emitidas pelo Estado da Santa Sé, sede da ICAR, é que usa argumentação com aparência lógica e racional mas (e o "mas" faz toda a diferença) construída sobre premissas ilógicas e irracionais. A saber, as da formação divina do mundo e as do diretio natural, entre outras. O direito natural é o que tecnicamente se chama um oxímoro, uma contradição nos termos: é que, sendo o direito uma instituição social e humana, um conjunto de convenções, não pertence à natureza nem precede a socialidade humana. Só é possível não pensar assim se se acreditar numa criação divina do mundo, da natureza, da humanidade, ou, alternativamente, num qualquer determinismo biológico. Cada qual é livre de acreditar no que quiser, desde que não o imponha aos outros. Mas quando se chega ao debate sobre as regras da vida em sociedade, temos que usar a mesma sintaxe, para então podermos esgrimir semânticas diferentes. Ratzinger não pode basear os seus argumentos no direito natural e na criação divina do mundo para os efeitos da discussão em causa. Senão é o mesmo que aceitar como válido o argumento de alguém que diz que não quer e não aceita uma coisa apenas porque a acha "feia", de "mau gosto" ou porque "não é assim que se faz e sempre se fez assado".
PS: Não só li, e bem, o texto de Ratzinger, como o exercício foi penoso. Ainda pensei em rir-me a dado momento, mas falhou-me o sentido de humor quando me apercebi que a influência da ICAR pode ser directamente prejudicial para a felicidade e liberdade das pessoas e, por acréscimo, para o bem comum. Não será por acaso que o cardeal ocupa um lugar que é herdeiro da Inquisição...»
O meu:
«Meu caro MVA:
Continuo sem perceber por que razão uma voz da Igreja (institucional, ao seu mais alto nível) "não pode basear os seus argumentos no direito natural e na criação divina do mundo para os efeitos da discussão em causa". Não pode, porquê, se essa premissa faz parte da essência da sua doutrina?
Por essa ordem de ideias, os comunistas "não podem", num qualquer debate, usar de argumentos em que esteja implícita a luta de classes...
E "não podem" porquê, MVA? Porque não lhe agrada? Ou porque isso perturba o seu olhar do mundo, despojado (diria "liberto"?) de Deus?
Quanto ao "direito natural", conceito discutido desde a Antiguidade, não está necessariamente ligado à existência de uma referência divina - há autores e pensadores jurídicos, inseridos na escola jusnaturalista, que não são crentes. As suas premissas são de outra ordem: a natureza humana, os direitos do homem, uma ética mínima que se prende com a dignidade inerente a cada ser humano.
MVA pode também não aceitar esta premissa. Sartre dizia que «não há uma natureza humana, porque não há um Deus para a conceber». O que MVA "não pode" (fica-lhe mal, como intelectual que é, com as inerentes responsabilidades) é recusar-se que outros usem premissas argumentativas que são fundadoras do seu pensamento e da sua visão - filosófica, ideológica ou religiosa - do mundo.
Um abraço.
CC»
CC
Miguel Vale de Almeida, novamente aqui, replica à minha resposta. Eu trepliquei.
Ficam aqui os registos:
O de MVA:
«Mais Ratzinger
O comentário de CC merece um contra-comentário. O problema quer da teologia, quer das notas emitidas pelo Estado da Santa Sé, sede da ICAR, é que usa argumentação com aparência lógica e racional mas (e o "mas" faz toda a diferença) construída sobre premissas ilógicas e irracionais. A saber, as da formação divina do mundo e as do diretio natural, entre outras. O direito natural é o que tecnicamente se chama um oxímoro, uma contradição nos termos: é que, sendo o direito uma instituição social e humana, um conjunto de convenções, não pertence à natureza nem precede a socialidade humana. Só é possível não pensar assim se se acreditar numa criação divina do mundo, da natureza, da humanidade, ou, alternativamente, num qualquer determinismo biológico. Cada qual é livre de acreditar no que quiser, desde que não o imponha aos outros. Mas quando se chega ao debate sobre as regras da vida em sociedade, temos que usar a mesma sintaxe, para então podermos esgrimir semânticas diferentes. Ratzinger não pode basear os seus argumentos no direito natural e na criação divina do mundo para os efeitos da discussão em causa. Senão é o mesmo que aceitar como válido o argumento de alguém que diz que não quer e não aceita uma coisa apenas porque a acha "feia", de "mau gosto" ou porque "não é assim que se faz e sempre se fez assado".
PS: Não só li, e bem, o texto de Ratzinger, como o exercício foi penoso. Ainda pensei em rir-me a dado momento, mas falhou-me o sentido de humor quando me apercebi que a influência da ICAR pode ser directamente prejudicial para a felicidade e liberdade das pessoas e, por acréscimo, para o bem comum. Não será por acaso que o cardeal ocupa um lugar que é herdeiro da Inquisição...»
O meu:
«Meu caro MVA:
Continuo sem perceber por que razão uma voz da Igreja (institucional, ao seu mais alto nível) "não pode basear os seus argumentos no direito natural e na criação divina do mundo para os efeitos da discussão em causa". Não pode, porquê, se essa premissa faz parte da essência da sua doutrina?
Por essa ordem de ideias, os comunistas "não podem", num qualquer debate, usar de argumentos em que esteja implícita a luta de classes...
E "não podem" porquê, MVA? Porque não lhe agrada? Ou porque isso perturba o seu olhar do mundo, despojado (diria "liberto"?) de Deus?
Quanto ao "direito natural", conceito discutido desde a Antiguidade, não está necessariamente ligado à existência de uma referência divina - há autores e pensadores jurídicos, inseridos na escola jusnaturalista, que não são crentes. As suas premissas são de outra ordem: a natureza humana, os direitos do homem, uma ética mínima que se prende com a dignidade inerente a cada ser humano.
MVA pode também não aceitar esta premissa. Sartre dizia que «não há uma natureza humana, porque não há um Deus para a conceber». O que MVA "não pode" (fica-lhe mal, como intelectual que é, com as inerentes responsabilidades) é recusar-se que outros usem premissas argumentativas que são fundadoras do seu pensamento e da sua visão - filosófica, ideológica ou religiosa - do mundo.
Um abraço.
CC»
CC