quarta-feira, setembro 17, 2003
continua a ser mais fácil a um camelo...
A Conferência Episcopal Portuguesa emitiu uma nova Carta Pastoral, intitulada Responsabilidade solidária pelo bem comum.
Começando por reafirmar a «missão da Igreja (em) contribuir para a edificação de uma sociedade mais justa e fraterna, mais responsável e solidária», o texto elenca uma série de "pecados sociais" da sociedade portuguesa, que «têm a sua origem primeira no coração da pessoa, quando exclusivamente fechada no seu egoísmo, sem qualquer abertura aos outros seres humanos (e) podem concretizar-se em sectores vitais da sociedade, como a família, a escola e os meios de comunicação social, quando se demitem do seu papel de participar na construção do bem comum, respeitando a dignidade do ser humano» A saber:
a) os egoísmos individualistas, pessoais e grupais;
b) o consumismo, fruto de um modelo de desenvolvimento, fomentado pelos próprios mecanismos da economia, que gera clivagens entre ricos e pobres e gera insensibilidade a valores espirituais;
c) a corrupção;
d) a desarmonia do sistema fiscal, que sobrecarrega um grupo (social);
e) a irresponsabilidade na estrada;
f) a exagerada comercialização do fenómeno desportivo;
g) a exclusão social, gerada pela pobreza, pelo desemprego, pela falta de habitação, pela desigualdade no acesso à saúde e à educação.
Num segundo capítulo, sublinha a importância dos «princípios da doutrina social da Igreja, em particular a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade», para, de seguida, reflectir sobre a aplicação destes princípios a algumas áreas do bem comum, nomeadamente a educação para a democracia, o mundo do trabalho (que deve ser «digno, justo e reconhecido»), a ética do mercado e dos media, da defesa do ambiente, a sinistralidade rodoviária, a responsabilidade comum pelo pagamento e pelo uso do dinheiro dos impostos, a saúde e a educação:
- «A preocupação pelo bem comum, assente na igualdade, na justiça e na solidariedade, é dever de todos os cidadãos. É a primeira responsabilidade das autoridades públicas. Ninguém pode ficar excluído do bem-estar comum e da participação na vida da comunidade. Todos têm o dever de colaborar e promover o bem-estar da comunidade. Todos têm o direito a dele beneficiar.
O enriquecimento dalguns que provoque exclusão de uma parte da sociedade, é moralmente inaceitável e injusto».
Uma nota para a recuperação da «“opção pelos pobres”, enquanto promoção do bem de todos, sem exclusões nem desigualdades, (que) é a opção pela justiça do bem comum, (e) é o primeiro dever dos cidadãos para que ninguém fique à margem do bem comum, lutando para que todos tenham os meios suficientes para participar na vida da comunidade»;
- um recado ao Governo?: «a economia e o capital devem estar ao serviço da pessoa humana; a competitividade tem de respeitar a dignidade humana; o mercado livre deve ter limites no sentido de respeitar as aspirações e as necessidades humanas essenciais; a dignidade do trabalho permite ao ser humano tornar-se mais humano; as condições de trabalho devem ter em conta os direitos e o bem-estar da família; todos os parceiros do mundo laboral, trabalhadores e empresários, são responsáveis pela produtividade; a empresa é uma comunidade de pessoas»;
- outro?: «A legislação laboral deve garantir o associativismo como fonte de realização da pessoa e a empresa como autêntica comunidade de pessoas com funções distintas mas complementares, todos capazes de participar activamente da vida da empresa»;
- um recado ao patronato?: «Queremos afirmar muito claramente que não é aceitável que haja salários injustos e inadequados, que não sejam respeitadas as condições desejáveis de higiene e segurança nos locais de trabalho, que se imponham horários de trabalho que não respeitam as necessidades de descanso, designadamente ao domingo, formação e cultura e satisfação de compromissos familiares dos trabalhadores, que se abuse da precariedade do vínculo laboral e se explore o trabalho indocumentado e irregular, que se fuja aos impostos e às contribuições para a segurança social»;
- outro?: «Não se pode conceber um mercado livre sem limites. Tal é incompatível com os princípios orientadores da lei natural, da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum, sempre afirmados pela doutrina social da Igreja».
- mais recados ao Governo?: «No momento actual repleto de grandes dificuldades, em matéria de equilíbrio das contas públicas e disciplina orçamental, reconhece-se que o esforço da redução das despesas é benéfico quando se trata de despesas supérfluas, mas é perturbador quando põe em causa o funcionamento harmónico e equilibrado das instituições e a prestação de serviços essenciais com qualidade a toda a população e em especial aos mais carenciados.
Quanto ao aumento da receita, a tarefa tem sido dificultada, sobretudo pelas dissimulações e fraudes fiscais por parte dos cidadãos e grupos económicos, fruto dos seus egoísmos individualistas e contrárias à solidariedade social indispensável ao bem comum».
Capitalistas, tremei: ides arder no fogo do inferno!
Por fim, são também enumerados os sinais de participação solidária, que «convidam a alimentar a esperança como dinamismo gerador de uma nova atitude de empenhamento na comunidade»:
a) uma nova atitude perante os problemas, que se exprime no discernimento crítico dos problemas sociais, na denúncia de todas as formas de exclusão e de egoísmo e na participação solidária e responsável nas soluções;
b) a tomada de consciência da sociedade como comunidade cultural;
c) a promoção de todas as formas de educação para a vida, para o ambiente, para os valores, para a cidadania, para a democracia, para a solidariedade e para o bem comum;
d) o incremento de tantas formas de voluntariado, com poder efectivo de intervenção social;
e) a responsabilidade participativa de todos no mundo da saúde, da habitação, da escola, da comunicação social, do emprego, da economia, da política e da justiça;
f) a busca da nova identidade portuguesa, dinâmica e em construção, aberta a outros valores e culturas, capaz de construir pontes culturais com outros povos;
g) a construção de uma Europa baseada nos valores culturais e espirituais.
Num momento em que é tão pobre a reflexão política sobre a sociedade actual, tão deprimente o estado da nação e tão redutor e monolítico o discurso dos responsáveis públicos do nosso país, é uma lufada de ar fresco este documento da Igreja. Não trazendo propriamente novidades doutrinais ou pastorais, é oportuno o relembrar dos princípios da dignidade da pessoa humana, da busca do bem comum como horizonte da vida social e da solidariedade e subsidiariedade como virtudes cristãs aos decisores políticos. E é um alento de esperança o incentivo a uma maior participação de todos na construção de uma sociedade que se quer mais justa, fraterna e solidária.
As saudades que eu tinha da minha Igreja!
CC
Começando por reafirmar a «missão da Igreja (em) contribuir para a edificação de uma sociedade mais justa e fraterna, mais responsável e solidária», o texto elenca uma série de "pecados sociais" da sociedade portuguesa, que «têm a sua origem primeira no coração da pessoa, quando exclusivamente fechada no seu egoísmo, sem qualquer abertura aos outros seres humanos (e) podem concretizar-se em sectores vitais da sociedade, como a família, a escola e os meios de comunicação social, quando se demitem do seu papel de participar na construção do bem comum, respeitando a dignidade do ser humano» A saber:
a) os egoísmos individualistas, pessoais e grupais;
b) o consumismo, fruto de um modelo de desenvolvimento, fomentado pelos próprios mecanismos da economia, que gera clivagens entre ricos e pobres e gera insensibilidade a valores espirituais;
c) a corrupção;
d) a desarmonia do sistema fiscal, que sobrecarrega um grupo (social);
e) a irresponsabilidade na estrada;
f) a exagerada comercialização do fenómeno desportivo;
g) a exclusão social, gerada pela pobreza, pelo desemprego, pela falta de habitação, pela desigualdade no acesso à saúde e à educação.
Num segundo capítulo, sublinha a importância dos «princípios da doutrina social da Igreja, em particular a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade», para, de seguida, reflectir sobre a aplicação destes princípios a algumas áreas do bem comum, nomeadamente a educação para a democracia, o mundo do trabalho (que deve ser «digno, justo e reconhecido»), a ética do mercado e dos media, da defesa do ambiente, a sinistralidade rodoviária, a responsabilidade comum pelo pagamento e pelo uso do dinheiro dos impostos, a saúde e a educação:
- «A preocupação pelo bem comum, assente na igualdade, na justiça e na solidariedade, é dever de todos os cidadãos. É a primeira responsabilidade das autoridades públicas. Ninguém pode ficar excluído do bem-estar comum e da participação na vida da comunidade. Todos têm o dever de colaborar e promover o bem-estar da comunidade. Todos têm o direito a dele beneficiar.
O enriquecimento dalguns que provoque exclusão de uma parte da sociedade, é moralmente inaceitável e injusto».
Uma nota para a recuperação da «“opção pelos pobres”, enquanto promoção do bem de todos, sem exclusões nem desigualdades, (que) é a opção pela justiça do bem comum, (e) é o primeiro dever dos cidadãos para que ninguém fique à margem do bem comum, lutando para que todos tenham os meios suficientes para participar na vida da comunidade»;
- um recado ao Governo?: «a economia e o capital devem estar ao serviço da pessoa humana; a competitividade tem de respeitar a dignidade humana; o mercado livre deve ter limites no sentido de respeitar as aspirações e as necessidades humanas essenciais; a dignidade do trabalho permite ao ser humano tornar-se mais humano; as condições de trabalho devem ter em conta os direitos e o bem-estar da família; todos os parceiros do mundo laboral, trabalhadores e empresários, são responsáveis pela produtividade; a empresa é uma comunidade de pessoas»;
- outro?: «A legislação laboral deve garantir o associativismo como fonte de realização da pessoa e a empresa como autêntica comunidade de pessoas com funções distintas mas complementares, todos capazes de participar activamente da vida da empresa»;
- um recado ao patronato?: «Queremos afirmar muito claramente que não é aceitável que haja salários injustos e inadequados, que não sejam respeitadas as condições desejáveis de higiene e segurança nos locais de trabalho, que se imponham horários de trabalho que não respeitam as necessidades de descanso, designadamente ao domingo, formação e cultura e satisfação de compromissos familiares dos trabalhadores, que se abuse da precariedade do vínculo laboral e se explore o trabalho indocumentado e irregular, que se fuja aos impostos e às contribuições para a segurança social»;
- outro?: «Não se pode conceber um mercado livre sem limites. Tal é incompatível com os princípios orientadores da lei natural, da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum, sempre afirmados pela doutrina social da Igreja».
- mais recados ao Governo?: «No momento actual repleto de grandes dificuldades, em matéria de equilíbrio das contas públicas e disciplina orçamental, reconhece-se que o esforço da redução das despesas é benéfico quando se trata de despesas supérfluas, mas é perturbador quando põe em causa o funcionamento harmónico e equilibrado das instituições e a prestação de serviços essenciais com qualidade a toda a população e em especial aos mais carenciados.
Quanto ao aumento da receita, a tarefa tem sido dificultada, sobretudo pelas dissimulações e fraudes fiscais por parte dos cidadãos e grupos económicos, fruto dos seus egoísmos individualistas e contrárias à solidariedade social indispensável ao bem comum».
Capitalistas, tremei: ides arder no fogo do inferno!
Por fim, são também enumerados os sinais de participação solidária, que «convidam a alimentar a esperança como dinamismo gerador de uma nova atitude de empenhamento na comunidade»:
a) uma nova atitude perante os problemas, que se exprime no discernimento crítico dos problemas sociais, na denúncia de todas as formas de exclusão e de egoísmo e na participação solidária e responsável nas soluções;
b) a tomada de consciência da sociedade como comunidade cultural;
c) a promoção de todas as formas de educação para a vida, para o ambiente, para os valores, para a cidadania, para a democracia, para a solidariedade e para o bem comum;
d) o incremento de tantas formas de voluntariado, com poder efectivo de intervenção social;
e) a responsabilidade participativa de todos no mundo da saúde, da habitação, da escola, da comunicação social, do emprego, da economia, da política e da justiça;
f) a busca da nova identidade portuguesa, dinâmica e em construção, aberta a outros valores e culturas, capaz de construir pontes culturais com outros povos;
g) a construção de uma Europa baseada nos valores culturais e espirituais.
Num momento em que é tão pobre a reflexão política sobre a sociedade actual, tão deprimente o estado da nação e tão redutor e monolítico o discurso dos responsáveis públicos do nosso país, é uma lufada de ar fresco este documento da Igreja. Não trazendo propriamente novidades doutrinais ou pastorais, é oportuno o relembrar dos princípios da dignidade da pessoa humana, da busca do bem comum como horizonte da vida social e da solidariedade e subsidiariedade como virtudes cristãs aos decisores políticos. E é um alento de esperança o incentivo a uma maior participação de todos na construção de uma sociedade que se quer mais justa, fraterna e solidária.
As saudades que eu tinha da minha Igreja!
CC