quarta-feira, setembro 03, 2003
Democracia, municipalismo e outros desejos
Isto da Democracia é uma coisa complicada. Antes de mais, é necessário saber partilhar. Partilhar o poder, as responsabilidades, os aplausos quando as coisas correm bem, os apupos quando as coisas correm mal. Enfim, partilhar o bom e o mau. Em seguida, é necessário saber respeitar os outros. As opiniões deles, que não coincidem necessariamente com as nossas, as acções deles, que não têm que nos agradar.
Vem esta conversa toda a propósito da discussão de um tema que se arrasta de há algum tempo a esta parta e que ganhou novo folego, a dar crédito à imprensa, pelo que aparentemente se terá passado recentemente em Lisboa. E essa conversa prende-se com a eleição dos executivos camarários.
Como se sabe, em Portugal os executivos camarários são eleitos e não, ao contrário do Governo, nomeados. O que significa que todos os elementos têm a mesma legitimidade democrática, ou seja, do cabeça de lista atá ao último da mesma a legitimidade é igual. É certo que o primeiro da lista vencedora é, automaticamente, o Presidente da Câmara, mas isso apenas o transforma num primus inter pares, não lhe dando mais legitimidade por isso. E daqui resulta que o poder não pode, ou não deve, ser exercido de forma pessoal e centralizada mas sim de forma colegial.
Alguns autarcas têm pugnado por uma 'presidencialização' do cargo de Presidente da Câmara. È um pedido legítimo, como tantos outros que se poderiam fazer. Mas, perdoar-me-ão a petulância, me parece deslocado da nossa realidade e tradição e, principalmente, falho de oportunidade. Eu explico.
A tradição democrática portuguesa, que podemos fazer remontar à I República ou, mesmo, ao rotativismo oitocentista, é parlamentar. Parlamentar ao nível do governo central e, pelo menos após o 25 de Abril, também ao nível autárquico. E se bem que a tradição não seja intocável ― evidentemente ― também não me parece que o sistema tenha funcionado mal até agora. Não julgo, portanto, que existam motivos práticos e de funcionamento do sistema que justifiquem a sua mudança. Para além disso, a alteração na forma de funcionamento do executivo ― por exemplo, passando o Presidente da Câmara a escolher os seus vereadores ― implicaria alterações ao nível da definição da sua legitimidade passando este, ainda a título de exemplo, a ter que responder perante a Assembleia Municipal, assim como o Governo responde perante o Parlamento. Mas também isto forçaria a alterações à composição da Assembleia Municipal, que funciona hoje como uma espécie de Câmara Corporativa, incluindo não apenas os deputados municipais eleitos pelas listas concorrentes mas também os presidentes das Juntas de Freguesia.
Mas, francamente, toda esta questão me parece falha de oportunidade. Não existirão, neste momento, questões mais importantes a tratar e problemas mais importantes a resolver no país do que a questão da satisfação da vontade de alguns autarcas em exercerem o poder de forma mais ou menos absoluta e solitária?
AR
Vem esta conversa toda a propósito da discussão de um tema que se arrasta de há algum tempo a esta parta e que ganhou novo folego, a dar crédito à imprensa, pelo que aparentemente se terá passado recentemente em Lisboa. E essa conversa prende-se com a eleição dos executivos camarários.
Como se sabe, em Portugal os executivos camarários são eleitos e não, ao contrário do Governo, nomeados. O que significa que todos os elementos têm a mesma legitimidade democrática, ou seja, do cabeça de lista atá ao último da mesma a legitimidade é igual. É certo que o primeiro da lista vencedora é, automaticamente, o Presidente da Câmara, mas isso apenas o transforma num primus inter pares, não lhe dando mais legitimidade por isso. E daqui resulta que o poder não pode, ou não deve, ser exercido de forma pessoal e centralizada mas sim de forma colegial.
Alguns autarcas têm pugnado por uma 'presidencialização' do cargo de Presidente da Câmara. È um pedido legítimo, como tantos outros que se poderiam fazer. Mas, perdoar-me-ão a petulância, me parece deslocado da nossa realidade e tradição e, principalmente, falho de oportunidade. Eu explico.
A tradição democrática portuguesa, que podemos fazer remontar à I República ou, mesmo, ao rotativismo oitocentista, é parlamentar. Parlamentar ao nível do governo central e, pelo menos após o 25 de Abril, também ao nível autárquico. E se bem que a tradição não seja intocável ― evidentemente ― também não me parece que o sistema tenha funcionado mal até agora. Não julgo, portanto, que existam motivos práticos e de funcionamento do sistema que justifiquem a sua mudança. Para além disso, a alteração na forma de funcionamento do executivo ― por exemplo, passando o Presidente da Câmara a escolher os seus vereadores ― implicaria alterações ao nível da definição da sua legitimidade passando este, ainda a título de exemplo, a ter que responder perante a Assembleia Municipal, assim como o Governo responde perante o Parlamento. Mas também isto forçaria a alterações à composição da Assembleia Municipal, que funciona hoje como uma espécie de Câmara Corporativa, incluindo não apenas os deputados municipais eleitos pelas listas concorrentes mas também os presidentes das Juntas de Freguesia.
Mas, francamente, toda esta questão me parece falha de oportunidade. Não existirão, neste momento, questões mais importantes a tratar e problemas mais importantes a resolver no país do que a questão da satisfação da vontade de alguns autarcas em exercerem o poder de forma mais ou menos absoluta e solitária?
AR