sexta-feira, setembro 19, 2003

O erro de Fukuyama

Fukuyama escreveu, em tempos, um livro que intitulou de «O Fim da História e o Último Homem». Obra polémica, como se quer, atirava-nos à cara que a ideologia morrera com o fim da União Soviética e que o capitalismo vencera, mais a sociedade burguesa assente na democracia mais ou menos liberal, pelo que o confronto ideológico chegara ao fim.
Já lá vão, mais coisa menos coisa, dez anos e creio que podemos, agora que mais afastados, conversar um pouco sobre o assunto.
Creio que Fukuyama cometeu um erro de previsão e análise. Vamos por partes.
As grandes correntes ideológicas que atravessaram a Europa e o Mundo nos séculos XIX e XX estão mortas. Todas. A democracia liberal está morta. O socialismo está morto. Ponto final. Reconheço que tirando o caso evidente do socialismo, em que sobrevivem Cuba, Coreia do Norte e essa coisa estranhíssima que é a República Popular da China, não há praticamente mais nada. Já a questão da democracia liberal requer algumas explicações adicionais. A Europa, a América do Norte, o Sudeste Asiático e a Oceânia, são democracias de tipo liberal, com pendor parlamentar ou não. Mas são hoje já apenas um simulacro, um invólucro já vazio de conteúdo. As mudanças que ocorreram nas nossa sociedades, a internet, os media, o desenvolvimento de um espírito apolítico, a oligarquização do poder. Não sei se é mau ou bom, não é isso que está aqui em causa.
Mas, ao mesmo tempo, novas linhas orientadoras da sociedade estão a nascer. Os fundamentalismos são, necessariamente, correntes ideológicas. Com fundamentação muitas vezes religiosa (nem todos os fundamentalismos são religiosos, atente-se), propõem uma nova visão da sociedade. E uma nova visão da sociedade é necessariamente uma visão política, no sentido mais lato do termo. Também a prática economicista e tecnocrática da sociedade ocidental de hoje é uma visão política. O políticamente correcto, tão em voga, é ele próprio uma nova forma de ideologia (pronto, está bem, não é nada, estou só a brincar...).
Em suma, enquanto houver actividade humana enquadrada numa qualquer forma de organização social, teremos que falar em ideologia. Porque esta não se restringe à conformação em grandes sistemas de pensamento.
Aquilo que Fukuyama parece não ter compreendido é que o fim das grandes ideologias não era o fim da história mas, pelo contrário, a libertação de espaço para o aparecimento de novas, porventura mais diversas, correntes ideológicas.
AR

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