quarta-feira, outubro 01, 2003

eu não jogo

Recebi uma carta assinada pelo Luiz Felipe Scolari, o selecionador (sic) nacional. Uma vez que o envelope não tem remetente, vejo-me obrigado a responder aqui.
Caro Scolari:
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que não sou seu amigo. Tenho alguma admiração profissional por V. Exa., por ter sido campeão mundial de futebol ao serviço do Brasil - desporto, aliás, de que sou um grande entusiasta. Também me agrada bastante o facto de V. Exa. não convocar o arrogante do Vítor Baía ou o irascível João Pinto para a equipa nacional de futebol. Mas isso não me torna seu amigo, como compreenderá - os meus amigos escolho-os eu, segundo os meus próprios critérios (em bom rigor, são eles que se transformam em amigos, depois de algum tempo de conhecimento, simpatia recíproca, interesses comuns, etc.)
Depois, como V. Exa. desconhecerá, sou contrário à realização do Euro 2004 em Portugal. Não apenas porque entendo que é um desperdício escandaloso de dinheiros públicos (cujo emprego seria mais útil noutras áreas), como pelo facto de não ser particularmente sensível ao lobby da construção (talvez por não ter carreira política). Devo dizer-lhe, para que não haja mal-entendidos, que sou associado do Benfica há mais de 25 anos. Até já tenho a águia de prata. Mas as quotas (em dia) e os bilhetes para os jogos tenho-os pago do meu bolso, sem recurso ao orçamento de Estado, e creio que assim é que é correcto. Já me basta financiar o Marítimo...
No entanto, também não consigo perceber, por exemplo, que falta fará um estádio em Faro, que serve clubes tão representativos da nação, como o Farense ou o Olhanense, e por que razão tem de ser o erário público a custeá-lo. Mas esse problema é só meu, certamente.
Digo-lhe mesmo que achei ridículas as imagens de contentamento pateta dos representantes do país (o Carlos Cruz, lembra-se dele?) quando foi anunciado o nome de Portugal para organizar este torneio de futebol. Ou que ainda fico envergonhado quando vejo o presidente da república, em posse de Estado (ao lado ou não de membros do Governo ou deputados em "trabalho político"), a assistir a um qualquer jogo da bola.
Caro Scolari, não partilho da doutrina oficial segundo a qual o UEFA Euro 2004TM é uma oportunidade para «mostrar um Portugal moderno e empreendedor», pela simples razão que tal Portugal não existe. Não sou só eu ou o Vasco Pulido Valente quem o diz: é o Governo, que constantemente critica a sua própria organização (Administração Pública) por ser atrasada, retrógrada, burocrática, etc., num país que «está de tanga». São os dados da OCDE que o repetem, são os telejornais que o demonstram todos os dias. Basta ir ao interior do país ou à periferia das cidades. Não são só estádios de futebol o que falta de "moderno e empreendedor". São as escolas, os hospitais, os serviços públicos em geral, o ambiente, o ordenamento, as condições de trabalho, a justiça social e outros pormenores.
Por último, o pequeno lampejo de alegria por ter sido convocado esfumou-se quando vi que, afinal, «todos os portugueses estão convocados». Bolas. Se estamos todos convocados, que mérito tenho eu para ser convocado em nome pessoal? Assim, não vou! Além do mais, certamente não faria uma equipa ao lado de muita boa gente.
Adeus e boa sorte.
CC

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