terça-feira, outubro 28, 2003

In Memoriam

De tempos a tempos somos confrontados com a inevitabilidade da Morte. Que nos vem lembrar (porque teimamos em esquecer isso) que nada nas nossas vidas é perene, que tudo não passa de um suave bater de asas de uma borboleta. A vida é assim.
A minha Tia morreu. Tinha 88 anos e morreu de cancro, com o qual convivia há já uma série de anos. E estou muito zangado com ela, porque me deixou aqui, mais só, mais pobre, mais triste. Embora tenha a certeza de que ela esperará por mim algures, como sempre fez, para seguirmos, um dia, viagem juntos.
Não voltarei a ir com ela, como fazia quando era garoto e passava o Verão em Coimbra, aos Domingos à tarde a um qualquer café da baixa, beber um copo de leite morno e comer um éclair, ou uma tíbia, ou uma pata de veado, ou outro bolo qualquer que me apetecesse na altura. Nem me voltará a trazer, como quase todos os dias fazia, emprestados (e sempre religiosamente devolvidos) da casa onde trabalhava, os livros do Tio Patinhas, ou do Zé Carioca, ou do Pato Donald, ou as edições do Almanaque Disney, ou os Disneys Especiais, que me entretinham, durante a semana, nas tardes de calor. Não voltarei a chegar a casa dela e a encontrar os bolinhos que sempre comprava quando sabia que eu e o meu irmão lá íamos de férias, nem fará outra vez xarope de cenoura.
A minha Tia morreu. Os compêndios de história não falarão dela, nem mudou, seguramente, o mundo. Era pouco mais do que analfabeta e nunca casou nem teve filhos. Mas ajudou-me a crescer, fez também de mim o homem que sou, e ensinou-me, pelo exemplo, que os valores não se sujeitam aos apetites do momento e que um homem ou uma mulher são o que fazem e não o que dizem.
A minha Tia morreu. Guardo-a comigo. Até breve.
AR

Comments: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?