sexta-feira, novembro 14, 2003

até amanhã, camarada

Partilho com o José a admiração católica pelos comunistas, pela sua honestidade, pela dignidade de homens que lutaram toda uma vida por um ideal que os transcende. Experimento com eles a angústia do silêncio de Deus e, como o José, estou certo que são amados pelo Deus que não reconhecem, mas que abençoa sempre os que têm sede de Justiça.
Respeito e admiro a abnegação do passado de luta comunista por um mundo novo, o sofrimento que os comunistas aceitaram tomar como seu, a vida em clandestinidade no tempo opressor da ditadura, o espírito de missão com que enfrentaram o medo e a adversidade, o sacrifício das suas vidas pessoais e familiares. Venero a coragem com que enfrentaram os perigos, as perseguições que foram vítimas, as prisões, as torturas, as mortes.
Por isso, achei profundamente injusto e ingrato o que o meu amigo AR aqui escreveu sobre Álvaro Cunhal. Devemos ao PCP e à sua luta de décadas a liberdade que hoje usufruímos como povo. Mais. Integra o nosso património colectivo, enquanto nação, a luta dos comunistas pela liberdade contra a opressão, pela democracia contra a ditadura, pela justiça social contra as desigualdades. Em prol dos mais fracos, dos pequenos, dos pobres, dos desprotegidos. Em suma, do bem comum.


Já aqui o disse: é devido à minha formação católica e identificação com a Doutrina Social da Igreja que me revejo nos ideais da Esquerda - na indignação perante a injustiça do mundo, no combate contra as exclusões, na sede de liberdade, de igualdade, de fraternidade. Acredito, ao contrário de AR e da Direita, que o papel da política, de todos nós, cidadãos (e cristãos) empenhados, é o de tentar transformar o mundo. Não apenas de administrar as desigualdades e de resignar-se com a desordem das coisas.
Na fé que procuro alcançar, o Reino de Deus é uma utopia de libertação absoluta, cuja exigência foi paga por Jesus com a morte. A conversão de cada um implica uma radical mudança do modo de pensar e de agir no sentido de Deus, na construção de uma nova ordem, de um novo sentido de vida que responda aos anseios mais profundos do homem. É o credo último que define todos os cristãos: a fé na ressurreição.
Tal como aos comunistas, também aos católicos se exige o impossível: uma vida impoluta, o trabalho sem cansaço, uma fé sem desânimo, a infalibilidade, a perfeição, a santidade. Aos outros, os que aceitam e se calam perante a injustiça do mundo, os calculistas que tiram dividendos das desigualdades sociais, os que se abrigam no conforto da indiferença, tudo é perdoado: no fundo, eles é que são coerentes na sua praxis.
CC

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