quarta-feira, novembro 12, 2003

Mito com paredes de vidro

Eu sei que já passaram alguns dias mas não gostaria de deixar passar a oportunidade para meter a minha "foice" nesta seara.
Vem isto a propósito de mais um aniversário de Álvaro Cunhal.
Não o conhecendo pessoalmente - acredito, portanto, que se trate de pessoa estimável - posso apenas falar do político. E desse não gosto. Lamento, mas não partilho do hábito tão nacional de que quando alguém envelhece ou morre perde os defeitos.
Há dois mitos essenciais acerca de Cunhal.
O primeiro é que Cunhal é um democrata. Não é. Não é um democrata ele nem o partido de que foi secretário-geral durante anos e anos. Pelo contrário. Na senda do estalinismo que nunca abandonou, o PCP é tão democrático como a Coreia do Norte ou Cuba. Ou o Chile de Pinochet, ou o Paquistão de Musharraf, ou por aí fora. Dirão uns que é coerente. É verdade. Mas não vejo vantagem na coerência do erro.
O segundo mito é que Cunhal é um dos pais da Democracia. Também não é. Em Portugal, existe Democracia apesar de Cunhal e não por causa de Cunhal. Existe Democracia em Portugal por causa de Sá Carneiro, Mário Soares, talvez Freitas do Amaral, Amaro da Costa, Almeida Santos, Lurdes Pintasilgo, Mota Pinto, Francisco Balsemão, Salgado Zenha e tantos, tantos outros. Se houve pessoa que se esforçou para que não houvesse democracia em Portugal foi Álvaro Cunhal e o PCP. E embora eu ache que essa guerra estava perdida à partida - pela localização geoestratégica do nosso país - isso não obstou a que Cunhal desse o seu melhor para a vencer.
Por isso, de cada vez que se cantam hossanas a mais um aniversário do antigo líder do PCP, o meu estômago enrola-se e não deixo de pensar em como a memória é curta e em como a história - em cujos livros, infelizmente, Cunhal figurará - é o relato dos que podem e não daquilo que se passou.
AR

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