segunda-feira, novembro 24, 2003
O Jantar de Verónica
Conheci este fim-de-semana algumas pessoas interessantíssimas, com ideias e abertas ao debate. A Verónica emprestou amavelmente o apartamento e deliciou-nos com um conjunto de acepípes de que me não esquecerei facilmente. Tendo os tintos sido também belíssimos, facilmente se imagina o prazer que a noite me trouxe.
Bem, a certa altura discutiram-se as inevitáveis propinas, os encerramentos das Universidades e rapidamente se confrontaram duas opiniões: a do João, que defendia, na educação como no resto, o princípio do utilizador-pagador, e a da Raquel, que defendia o Estado providenciador de serviços. Ambos, devo acrescentar, defenderam brilhantemente as suas damas.
Grosso modo, o João entende que o Estado não pode, nem deve, providenciar todos os serviços e, se o fizer, deve ser ressarcido por isso. Por seu lado, a Raquel entende que o Estado deve providenciar um determinado conjunto de serviços e deve fazê-lo de forma gratuita, porque já recebe o dinheiro dos nossos impostos.
Parece-me que o princípio do utilizador-pagador só é exequível estando preenchidos um conjunto de requisitos que o não estão em Portugal, dos quais não é o menos importante o rendimento das famílias. Não pode pagar a Saúde e a Educação quem não tem meios para sobreviver. E em Portugal, como julgo que sabe, João, os rendimentos são muito baixos. Tão baixos, de facto, que muita gente não poderia sobreviver neste sistema. Mas o que mais me incomoda neste princípio, devo confessá-lo, e a falta de solidariedade que lhe está subjacente. Não a solidariedade politizada e que anda sempre na boca de quem a não pratica, mas a solidariedade dos que podem (se calhar você, eu, a Raquel, a Verónica, o André, a Marta e todos os outros que ali jantámos naquela noite) para com aqueles que não podem jantar como nós jantámos, ir para onde nós fomos e gastar o que gastámos.
Como a Raquel, acho que ao Estado cabe providenciar gratuitamente um determinado conjunto de serviços, como a saúde e a educação, bem como garantir a realização dos direitos dos seus cidadãos através de um acesso, tanto mais económico quanto possível, à Justiça. E para isso deve cobrar os impostos necessários ao financiamento desses serviços. Se o dinheiro não tem chegado, é porque muita gente não paga o que deve e não existe fiscalização adequada. Porque muitos dos que não pagam usufruem de benesses que, depois, não podem beneficiar os que de facto delas necessitam (dirá alguma coisa a alguém a distribuição das bolsas do ensino superior?).
Evidentemente, a cobrança dos impostos não é o remédio para todos os nossos males. O dinheiro deve ser gasto com rigor e quem o não fizer deve ser punido. A redução - ou mesmo o fim - dos subsídios e apoios aos agricultores que deixam as suas terras ao abandono, aos empresários que exploram o trabalho dos outros - nomeadamente o trabalho infantil e das mulheres - e não criam riqueza, às empresas que vivem parasiticamente à sombra do erário público. Enfim, são necessárias medidas contra os grupos de interesse estabelecidos, contra a corrupção, contra o tráfico de influências, contra a miríade de coisas que minam a nossa sociedade e vão minando, aos poucos, a nossa democracia. No fundo, medidas a favor de todos.
Se não resolvermos estes problemas, meu caro João, daqui a alguns anos estamos a pagar todos os serviços na íntegra, continuaremos a pagar os impostos que pagamos e, ainda assim, o dinheiro não vai chegar.
Um abraço.
AR
Bem, a certa altura discutiram-se as inevitáveis propinas, os encerramentos das Universidades e rapidamente se confrontaram duas opiniões: a do João, que defendia, na educação como no resto, o princípio do utilizador-pagador, e a da Raquel, que defendia o Estado providenciador de serviços. Ambos, devo acrescentar, defenderam brilhantemente as suas damas.
Grosso modo, o João entende que o Estado não pode, nem deve, providenciar todos os serviços e, se o fizer, deve ser ressarcido por isso. Por seu lado, a Raquel entende que o Estado deve providenciar um determinado conjunto de serviços e deve fazê-lo de forma gratuita, porque já recebe o dinheiro dos nossos impostos.
Parece-me que o princípio do utilizador-pagador só é exequível estando preenchidos um conjunto de requisitos que o não estão em Portugal, dos quais não é o menos importante o rendimento das famílias. Não pode pagar a Saúde e a Educação quem não tem meios para sobreviver. E em Portugal, como julgo que sabe, João, os rendimentos são muito baixos. Tão baixos, de facto, que muita gente não poderia sobreviver neste sistema. Mas o que mais me incomoda neste princípio, devo confessá-lo, e a falta de solidariedade que lhe está subjacente. Não a solidariedade politizada e que anda sempre na boca de quem a não pratica, mas a solidariedade dos que podem (se calhar você, eu, a Raquel, a Verónica, o André, a Marta e todos os outros que ali jantámos naquela noite) para com aqueles que não podem jantar como nós jantámos, ir para onde nós fomos e gastar o que gastámos.
Como a Raquel, acho que ao Estado cabe providenciar gratuitamente um determinado conjunto de serviços, como a saúde e a educação, bem como garantir a realização dos direitos dos seus cidadãos através de um acesso, tanto mais económico quanto possível, à Justiça. E para isso deve cobrar os impostos necessários ao financiamento desses serviços. Se o dinheiro não tem chegado, é porque muita gente não paga o que deve e não existe fiscalização adequada. Porque muitos dos que não pagam usufruem de benesses que, depois, não podem beneficiar os que de facto delas necessitam (dirá alguma coisa a alguém a distribuição das bolsas do ensino superior?).
Evidentemente, a cobrança dos impostos não é o remédio para todos os nossos males. O dinheiro deve ser gasto com rigor e quem o não fizer deve ser punido. A redução - ou mesmo o fim - dos subsídios e apoios aos agricultores que deixam as suas terras ao abandono, aos empresários que exploram o trabalho dos outros - nomeadamente o trabalho infantil e das mulheres - e não criam riqueza, às empresas que vivem parasiticamente à sombra do erário público. Enfim, são necessárias medidas contra os grupos de interesse estabelecidos, contra a corrupção, contra o tráfico de influências, contra a miríade de coisas que minam a nossa sociedade e vão minando, aos poucos, a nossa democracia. No fundo, medidas a favor de todos.
Se não resolvermos estes problemas, meu caro João, daqui a alguns anos estamos a pagar todos os serviços na íntegra, continuaremos a pagar os impostos que pagamos e, ainda assim, o dinheiro não vai chegar.
Um abraço.
AR