quarta-feira, janeiro 21, 2004
Houellebecq
O meu amigo GS, emigrado no Brasil, enviou-me o primeiro romance de Michel Houellebecq, «Extensão do Domínio da Luta», cuja edição em língua portuguesa apenas se encontra publicada no além-mar, a cargo da Editora Sulina. Estranho e não compreendo a apatia das editoras portuguesas em relação a esta primeira obra do autor do extraordinário livro «As Partículas Elementares» e do premonitório «Plataforma».
Houellebecq escreve com a lucidez dos depressivos, que - nas palavras do próprio - não é outra coisa que «um desinvestimento radical em relação às preocupações dos outros humanos (que) se manifesta, em primeiro lugar, em relação às questões efectivamente pouco interessantes. Assim, talvez até se possa imaginar um depressivo apaixonado, enquanto um depressivo patriota é uma coisa que parece francamente difícil de imaginar». Esta distância face aos comportamentos dos seus semelhantes proporciona ao autor um olhar frio, quase clínico, mas repleto de humor e de compreensão pela tragédia da existência humana. E, em consequência, expande a liberdade de pensamento e reflexão crítica até aos limites da imaginação.
Em «Extensão do Domínio da Luta» Houellebecq descreve «a queda de um homem, sem pieguice, sem melodrama e sem morbidez. Esse homem encarna o indivíduo actual, mas a especificidade, bem narrada, faz dele, ainda assim, um caso concreto», como se lê na contracapa, num texto de Juremir Machado da Silva, crítico e tradutor brasileiro. «Aqui, a literatura encontra, outra vez, a profundidade da arte, conseguindo falar do mundo e do homem num mesmo e contudente discurso». É um romance de aprendizagem: «a aprendizagem do desgosto».
É isso que Michel Houellebecq traz à literatura contemporânea: além da rebeldia e provocação inteligentes, idéias e uma história. Uma história universal e humana, como a vida de cada um.
CC