domingo, março 14, 2004

parábola da figueira

«Jesus disse então a seguinte parábola:
"Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou.
Disse então ao vinhateiro: "Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?"
Mas o vinhateiro respondeu-lhe: "Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano"».
3º Domingo da Quaresma; Evangelho: Lucas, 13, 6-9

Vem mais uma vez a Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), organismo da Igreja Católica em Portugal, interpelar as demasiadas vezes entorpecidas consciências nacionais e, em particular, as cristãs, designadamente as dos católicos.
Recordo que, até há pouco tempo, presidiu à CNJP o actual ministro das Companhias de Seguros, Bagão Félix, a quem são dirigidos recados muito directos no documento emitido pela CNJP, intitulado «Um outro olhar sobre as desigualdades e a exclusão social. Um outro compromisso com um mundo mais justo e solidário».
Ficam aqui alguns excertos deste oportuno e corajoso texto da CNJP:

«3. É inaceitável que o progresso económico que o nosso país alcançou nos últimos 30 anos e as ajudas comunitárias entretanto recebidas não se tenham traduzido numa redução substancial da pobreza, designadamente nas suas expressões mais severas, de falta de alimento e de habitação condigna, de dificuldades no acesso à educação e à saúde, de insuficiência de recursos bastantes para garantir uma vida digna, segundo os padrões correntes na nossa sociedade. Cerca de 1/5 dos nossos concidadãos conhecem a pobreza com maior ou menor severidade, e uma parte deles nunca teve situação diferente, porque a pobreza se tornou hereditária e esteve sempre presente nas suas vidas.
(...)
6. (...) Mais grave ainda é o facto de que os níveis de salário mínimo e pensão mínima sejam fixados em valores que, reconhecidamente, ficam, no caso do primeiro, muito próximo do limiar de pobreza e, no caso da segunda, abaixo desse limiar. Ou seja, são estabelecidos com a certeza antecipada de que as pessoas que os têm como única fonte de rendimento não poderão assegurar uma subsistência digna. Idêntico raciocínio se poderá fazer quanto ao rendimento mínimo.
(...)
7. (...) O argumento da falta de recursos do Estado não deve ser aceite acriticamente, antes deverá levar a que se questione as prioridades que estão subjacentes nos critérios dos decisores políticos. Merecem particular reparo os investimentos públicos que têm sido feitos em obras faraónicas e projectos de utilidade social duvidosa, beneficiando apenas determinados sectores da população.
8. O processo de privatização em curso, nomeadamente no que toca a bens públicos básicos, designadamente a água, os correios ou os transportes urbanos, para não falar da saúde e da educação, poderão configurar cenários de maior desigualdade e cavar o fosso entre ricos e pobres, acabando por mercantilizar direitos humanos e sociais básicos.
(...)
11. (...) Não é, pois, aceitável que, nestas áreas fundamentais (educação e em saúde), não estejam asseguradas condições de igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso, correndo riscos de desigualdades e exclusões agravadas no futuro.
(...)
14. (...) reconhecemos que existe na população portuguesa uma fraca sensibilização à pobreza e à desigualdade, não as considerando como males sociais, isto é, produzidos pela própria sociedade e prejudiciais para a mesma.
(...)
15. A segunda razão que nos move a incentivar esta reflexão é o facto de constatarmos que em certos meios políticos e na comunicação social, frequentemente se veiculam ideias preconceituosas relativamente aos modelos económicos vigentes, designadamente no que se refere à sua inevitabilidade, e suporte teórico, daí retirando legitimação para certas políticas e práticas de gestão. Por exemplo, é frequente o argumento da necessidade de controlo orçamental (o que, em si mesmo, ninguém contesta) para justificar medidas de restrição da despesa pública, o que já não pode ser aceite sem ponderação dos seus efeitos sobre a extensão e a qualidade dos serviços públicos prestados (educação, saúde, investigação, habitação social, acção social, etc.) ou as reduções drásticas de remunerações e regalias dos funcionários públicos sem negociação com os interessados e sem contrapartidas.
(...)
16. A terceira razão que nos move nesta reflexão é o reconhecimento de que os cristãos pouco confrontam as suas atitudes e comportamentos na sociedade (trabalho, negócios, ensino e investigação, participação cívica e política) com as exigências que decorrem da sua fé em Jesus Cristo.
(...)
18. (...) Ser "luz", "sal" ou "fermento" hoje é defender o princípio fundamental do destino universal dos bens da terra e consequentemente procurar com todo o empenho que aqueles se destinem prioritariamente à subsistência e melhoria de condições de vida para todos e não em benefício exclusivo de alguns.
Ser "luz", "sal" ou "fermento" hoje é reconhecer que a propriedade privada ou a livre concorrência não são valores absolutos, mas antes instrumentos ao serviço da produção e da eficiência da economia».
CC

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