terça-feira, abril 20, 2004

o presidente da junta

Discuto com uma amiga as suas razões para um regime monárquico. Compreendo a representatividade nacional da figura do rei, a vantagem da preparação para o cargo e a pose de Estado inerente às caricaturas, mas continuo avesso à pouca democraticidade da sua legitimidade. Cometo um erro, no entanto. Caio na tentação fácil do argumento pragmático e digo-lhe que o melhor argumento contra a monarquia é que, se houvesse monarquia em Portugal, o nosso rei seria o senhor Duarte.
Ela responde-me, certeira como sempre, que, com a República, corremos o risco de ter um palhaço como o Santana Lopes como chefe de Estado, e que não sabe o que é pior. Eu sei o que é pior, mas nem lho digo, porque não gosto de usar argumentação suicida.
Dou por mim a pensar que mesmo o actual Presidente é uma figura pouco recomendável. Sob a capa de um homem sensível, que se emociona e lacrimeja em público (o que, só por si, não é mais que uma operação de charme), Jorge Sampaio parece querer provar que o cargo que ocupa - e que lhe assenta como uma luva - é de uma inutilidade a toda a prova. Ora apela à maior das eficiências das autoridades no combate à pedofilia, e para que não olhem à qualidade dos inquiridos, ora apela calma, à razão e às garantias penais logo que um amigo seu é detido; ora defende a justiça, as liberdades, e outros conceitos vagos com que todos concordam, ora transforma o seu cargo numa imóvel caixa de correio ou de reclamações sobre as quais não toma posição; ora é enérgico na proclamação dos princípios, como é servil para com os poderes (basta lembrarmo-nos das suas declarações contraditórias sobre a participação portuguesa na ocupação do Iraque ou sobre o novo Código do Trabalho - reconheça-se, não obstante, a virtude retórica da emissão de princípios gerais, vagos e sem substância e, ainda assim, a possibilidade de os contraditar).
Agora, numa das suas frívolas "presidências abertas", desta vez sobre o "ambiente", declarou que «o país não pode ser uma reserva total, de norte a sul, que inviabilize a presença de cidadãos e o seu próprio desenvolvimento». Ora, eu, que criticava a inocuidade das suas palavras, a inanidade do seu pensamento e a esterilidade da sua acção, arrependi-me de imediato. Mais valia o homem estar calado. Se é verdade que o lugar que ocupa é pouco mais que irrelevante e que a titularidade do mesmo por Jorge Sampaio só agrava a sua irrelevância, não deixa de ser uma desilusão (uma traição, caramba: o homem não é de esquerda?) que venha agora abrir o caminho (pelo menos a legitimidade institucional) aos interesses mesquinhos e miopes dos autarcas, à selvajaria dos construtores, às obscuras intenções do Governo. O país está a saque, o património comum a ser delapidado, o "ambiente" a degradar-se, os interesses urbanísticos a sobreporem-se ao futuro. Tudo em nome de mais um dos conceitos vazios que enchem a a boca de todos e de que Jorge Sampaio tanto gosta: o "desenvolvimento".
O Presidente deve ser coerente. Se quer não-existir, é lá com ele. Não diga nada, não faça nada. Fique onde está a fingir que existe, como tem feito até agora. Se tem algo a dizer que o diga mesmo. Ou então cale-se para sempre.
CC

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