quarta-feira, dezembro 29, 2004

Das crianças

Foi numa manhã de Sol. Lembro-me como se fosse hoje. Ali por Abril ou Maio. A enfermeira chamou pelo nome dela e eu, intrometido, peguei na minha filha e apresentei-a. Ía levar uma vacina e era a primeira vez que ía ter consciência de levar uma vacina. Tinha um ano e qualquer coisa.
Quando a enfermeira lhe enterrou a agulha na carne macia do braço, a minha filha olhou para mim com um olhar simultaneamente suplicante e espantado. A suplicar para a tirar dali e espantada porque não a tirava quando lhe estavam a fazer tanto mal. Não chorou, embora os olhos tivessem ficado repletos de lágrimas, tão cheios que ainda hoje, quando os revejo na minha memória (e revejo aqueles olhos tantas vezes ...) me espanta como nem uma lágrima se escapou.
Quando ouço a notícia da morte de uma criança aquilo vejo são nos olhos da minha filha naquele dia em que o pai, em quem ela confia sem hesitação, a traíu e deixou que lhe fizessem mal. Aquela inocência, tristeza, abandono, é o que me assalta, implacável e violentamente.
Das quase 70.000 pessoas que já foram dadas como mortas, podia haver apenas uma criança. Teria achado essa morte bem mais dramática e terrível do que as outras 69.999. Porque, façam-se as estatísticas que se fizerem, usem-se os argumentos que se quiserem, as crianças não deviam morrer.
AR

Comments:
http://aquintacoluna.blogspot.com/2004/01/porque.html
 
:* para o mosqueteiro da bela voz.
 
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