quinta-feira, junho 16, 2005

E seguia o seu caminho, porque era um deus que passava.

No dia em que morreu Sophia a minha mãe confessou-me que se sentia muito triste enquanto afagava os livros da nossa infância (que nos deu a mim e à minha irmã, aos nossos primos, aos alunos).

De Eugénio de Andrade tenho uma antologia de poemas, fanado há muitos anos da casa dos meus avós, lido, por vezes decorado. No outro dia encontrei-me a repetir o gesto, a afagar um livro que toma forma de presença. A sonoridade dos poemas, as palavras - simples, coloquiais, luminosas - estão impregnadas. Recordo fragmentos, como se de música tratasse: manhãs mais limpas, os teus olhos são peixes verdes, dos teus dentes, brancos dentes, anémona perfeita abrindo nos meus dedos, enleado na melodia de uma flauta que tocava.

A um Green God deixo a homenagem possível.




As Amoras

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade ("O Outro Nome da Terra")

Sofia

Comments:
Creio que é assim que se faz a mais profunda e íntima Tradição: quase sem se dar por isso, repetir gestos que seriam insignificantes se não fossem os afectos que os tornam necessários.
 
Obrigado pelo comentário. Mais de uma vez utilizei esta poesia para transmitir afectos.
 
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