sexta-feira, agosto 05, 2005

As caricas

As minhas recordações dos Verões em Coimbra são sempre de muito calor. As tardes de Agosto e Setembro eram quentes, abafadas. Antes das cinco ou seis da tarde não saíamos à rua, o que também não era dramático, já que no fresco das casas nos entretíamos em longos jogos de Monopólio que terminavam, inevitavelmente, com a falência da Banca.
Ao fim da tarde, o primeiro lugar de poiso costumava ser o muro da casa dos Pitas, família endinheirada dos Olivais, que ali tinham um dos palacetes mais bonitos da cidade, grande e quadrado, sob a sombra de árvores enormes e com as paredes de dentro forradas a madeira, mesmo o imenso Hall de entrada, que se via da rua quando a porta principal, por acaso, se encontrava aberta.
O muro era baixo e largo, construído num granito razoavelmente afagado, e poiso ideal para gaiatos dos seus oito ou nove anos, que ali se sentavam chupando os gelados de sumo, caseiros, comprados no Vítor a um escudo cada um, e que tinha para além da mercearia, e de portas meias com esta, uma tabacaria. Fazia-nos então companhia larga carga de caricas. Não me consigo lembrar onde as arranjávamos. Mas recordo-me que eram sempre muitas.
Ora, as caricas tinham um destino certo: a linha do eléctrico. Ali mesmo à frente parava o 3, que ia dos Olivais à Baixa, ao Largo da Portagem, naquele calmo remanço que era o Verão em Coimbra.
Aguardávamos calmamente a passagem do eléctrico, falando não sei bem de quê, mas certamente das coisas importantes de quem tem aquela idade, e no fim íamos recolher as caricas esmagadas, que passávamos a pente fino com o olhar de mestres entendidos no assunto e, logo ali, fazíamos a triagem entre as que necessitavam de nova passagem e as que tinham atingido a perfeição do pleno e total esmagamento.
Depois, lá íamos para o campo dos Olivais, onde nos aguardava o jogo do fim do dia, com a consciência e a satisfação do trabalho bem feito.

AR

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