segunda-feira, agosto 15, 2005

I, robot

Nos anos 80, eu e o meu amigo AR lemos em simultâneo um livro que um de nós descobriu ao acaso e que depressa revelou ao outro. Já não me recordo quem foi o autor da descoberta que mudou para sempre as nossas vidas e o olhar sobre a vida, o universo e tudo o mais. O livro, da autoria de Douglas Adams, era uma trilogia (em três partes, visto que a obra completa é uma trilogia em cinco partes) e, em português, chamava-se O Guia Galáctico do Pendura.
Conta uma história maravilhosa sobre... isso mesmo, a vida, o universo e tudo o mais.
O livro esteve esgotado durante muito tempo e o primeiro volume foi reeditado em português há poucas semanas, a propósito da estreia do filme, anunciada para 25 de Agosto. Chama-se À Boleia Pela Galáxia e tem a chancela da editora Saída de Emergência (a antiga edição era da Difel).

Inicialmente, a ideia foi desenvolvida para um série radiofónica da BBC, emitida em 1978, mas o sucesso da emissão deu origem, mais tarde, a uma série televisiva, baseada nos livros entretanto editados: The Hitchiker’s Guide to the Galaxy; The Restaurant at the End of the Universe; Life, the Universe and Everything; So Long and Thanks for All the Fish e Mostly Harmless.
O sucesso foi de tal ordem, em 2001, data da morte de Douglas Adams, a série já tinha vendido mais de quinze milhões de cópias.
Não conto a história ou a sinopse do filme (apenas revelo que o planeta Terra é completamente destruído logo no início da história, devido à necessidade da construção de uma via intergaláctica) nem me debruço muito sobre as personagens. Deixo só um recado: não se esqueçam da toalha e, por nada deste mundo (ou doutros quaisquer), oiçam poesia dos Vogons.

Eu e o AR gostámos tanto do livro que bem que nos podíamos inscrever neste clube. Um pouco mais tarde, também o LR o leu (embora não ficasse devoto como nós) e, há pouco tempo, soube com surpresa e satisfação que também a Sofia tinha lido o livro-culto há cerca de dez anos e tinha gostado. Tanto que o está agora a reler.
Quando, há quase 20 anos, líamos O Guia Galáctico do Pendura, dizia-me o AR que imaginava sempre uma das personagens (por sinal, a mais inteligente e divertida - no seu modo particular de se divertir...), o robot Marvin, o Andróide Paranóide, com a minha figura. Eu era o Marvin. Ainda hoje não sei bem porque é que o AR achava que o Marvin podia ter sido inspirado em mim, mas esse facto deixa-me com o sentimento ambivalente: fico orgulhoso e preocupado. O Marvin é querido, muito inteligente, mas um tudo-nada deprimido. Bom, talvez mais que um tudo-nada. Mas tem piada e é um bom companheiro. Mas um tudo-nada chato. Bom, talvez mais que um tudo-nada. Mas é prestável. Mas um tudo-nada pessimista. Bom, talvez mais que um tudo-nada. (Estou a aborrecer-vos com esta conversa?)


Deixo-vos com algumas reflexões do meu alter-ego:

- I think you ought to know I'm feeling very depressed.
- I won't enjoy it.
- Well I wish you'd just tell me rather than try to engage my enthusiasm.
- Why should I want to make anything up? Life's bad enough as it is without wanting to invent anymore of it.
- Life! Don't talk to me about life.
- Life, loathe it or ignore it, you can't like it.
- It gives me a headache just trying to think down to your level

- It doesn't take me long to get nothing done.
- Wearily on I go, pain and misery my only companions. And vast intelligence, of course. And infinite sorrow. I despise you all.

- I'm bored.

Marvin, the Paranoid Android
CC

Comments:
Quando se tem um espírito tão crítico e analítico, caímos num marasmo, ficamos aprisionados em teorizações elaboradas, maduras, sensatas, criativas e até divertidas pelo seu sarcasmo. Mas, esta crítica, distancia-nos da emoção que nos torna mais imprudentes, mais errantes, mais imperfeitos, mas também mais autênticos, mais reais, mais vivos, menos automatizados, menos capazes de sublimar o amor com a racionalidade.
A inteligência, a sensatez alerta-nos, previne,torna-nos pessoas mais conscientes e elucidadas, mas também nos priva de viver as paixões ao limite, de sentirmos a magia e o medo de não controlar.
 
Meu caro amigo, que belas recordações ... e tempos bem mais despreocupados.
Tenho andado a olhar para eles, a ganhar embalo para os reler.
AR
 
Eis a encarnação de uma mente subjugada pelo peso da sua própria miséria e pobreza.
O desprezo por tudo quanto em nós existe, a submissão da mente dominada pela sua própria insuficiência, é a verdadeira essência da crença de um homem que se vê reduzido a um ser insignificante, rendido a um poder que o transcende, a força divina. Deus preconiza o símbolo de poder e força e o homem é infinitamente fraco, a sua virtude não reside na sua auto-realização, nos sentimentos,na alegria, mas antes na relização intelectual, na tristeza e sentimento de culpa.
Mas, Deus não é um símbolo de poder sobre o homem, mas um símbolo do poder do próprio homem. Sem a experiência do seu amor, o homem perde a fé nos outros homens e em si próprio.
 
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