quarta-feira, agosto 10, 2005
O buraco
Ontem à noite cometi o acto tresloucado de ouvir um bocado das notícias. Digo bem: tresloucado. Apenas para constatar aquilo que venho pensando há algum tempo. Que mais vale fechar a loja e irmos todos embora.
Há muita gente que diz que não percebe como é que, ano após ano, e apesar do reforço dos meios e do aumento dos gastos, o país continua a arder. Ou são tontos ou são parvos.
O país arde porque se quer que arda. O Estado não se importa, os madeireiros, as celuloses, os proprietários dos pinhais, os municípios e as empresas que alugam ou vendem equipamento querem que arda. Vejamos.
Os madeireiros e as empresas de transformação de pasta de papel querem que arda porque compram a madeira mais barata com uma redução mínima na qualidade. Os proprietários querem que arda porque, em diversos locais, depois dos incêndios, surgem projectos de loteamento e urbanização, que trazem adstritos lucros chorudos. Os municípios ganham exactamente por aquilo que cobram e lucram a prazo com esses novos projectos urbanísticos. As empresas que alugam aeronaves lucram porque têm mercado garantido para o seu equipamento, que lhes cobre as despesas do ano todo. E todos eles sabem que, por cá, o crime compensa.
Como se pode imaginar, e como tantas coisas por estas bandas, o remédio para isto não está em Roma. Bastava querer. Proibiam-se projectos de urbanização em área ardida durante, pelo menos, cinco anos. Taxavam-se as transacções com madeira queimada com um imposto suplementar que incidisse sobre o valor do negócio e que tivesse uma taxa na ordem dos 100%. E o Estado, em vez de alugar equipamento, comprava-o. Com o dinheiro que se gasta anualmente dava para comprar uns quantos aviões Canadair, que seriam operados pela Força Aérea. É que pilotos já temos, e já lhes pagamos ordenado. E a Força Aérea não teria, obviamente, problemas em cumprir essas missões.
Mas as coisas neste país não ficam por aqui. A educação está abaixo de cão. A preparação é má logo na escola primária, o que condena ao fracasso, só por isso, uma larga fatia dos jovens que entram no sistema de ensino. A preocupação com as estatísticas em vez de com a qualidade, levou ao abandalhamento completo do sistema público de ensino. Um número que me atreveria a dizer maioritário nos nossos jovens estudantes é ignorante, inculto, incapaz de pensar, não lê e escreve mal. Os alunos universitários cometem erros inqualificáveis e o sistema educativo esqueceu o ensino profissional, de que tanto carecemos, optando-se por criar licenciaturas a esmo, normalmente as chamadas de “papel e caneta”, de que não precisamos.
No interior, os hospitais têm falta de médicos e os centros de saúde fecham recusando-se, na prática, a assistência médica aos mais idosos e mais isolados, enquanto no litoral os médicos não faltam e repartem o seu tempo entre o hospital e o seu consultório. E a Ordem dos Médicos, numa atitude infame e canalha, do mais rasteiro corporativismo, recusa reconhecer os diplomas de centenas de imigrantes de leste, muitos deles especialistas, condenando médicos ao trabalho na construção civil, desbaratando um saber de que este país tanto carece.
O governo decidiu que devíamos continuar a apertar o cinto. O método foi o mais fácil e o menos eficaz: aumentou os impostos. Enquanto isso, a Administração Fiscal reconhece a sua incapacidade para cobrar grande parte dos impostos em falta, por falta de meios de pela organização obsoleta dos seus serviços, que ninguém parece interessado em reestruturar.
O Turismo, que poderia ser uma inesgotável fonte de riqueza se bem orientado, foi tratado da mesma forma que tudo é tratado neste país. O Algarve é o caos urbanístico que se sabe, onde no Verão até a água falta, exemplo típico do tacanho espírito nacional do enriquecimento rápido e do quem vier depois que feche a porta. Na costa alentejana, apesar da protecção, caminha-se para o mesmo e o Alqueva, ao contrário das promessas, vai alimentar campos de golfe dos dois lados da fronteira e não, afinal, auxiliar a agricultura. Apesar de importarmos cerca de 80% do que comemos.
Continua-se a morrer brutalmente nas nossas estradas e a solução encontrada foi aumentar as multas. Não vi ninguém com responsabilidade dizer que se vão alterar os traçados que mais matam na Europa (que por acaso são cá!). Nem dizer que se vai investir em campanhas de sensibilização a sério, que durem o ano todo e vão das escolas à televisão. Os portugueses, com um dos mais baixos rendimentos da União, pagam tanto de imposto automóvel que têm que comprar utilitários ou citadinos para fazer as vezes de carros familiares. Os resultados estão à vista.
Podia continuar, ad infinitum, a falar de como vão mal as coisas por estas bandas. Acho que estamos, como povo, condenados ao fracasso. Este país está falido e ninguém se importa. Continuamos, alegremente, a destruir o resto do pouco que temos, com o mesmo sorriso alarve com que inaugurámos 10 estádios de futebol.
Há muita gente que diz que não percebe como é que, ano após ano, e apesar do reforço dos meios e do aumento dos gastos, o país continua a arder. Ou são tontos ou são parvos.
O país arde porque se quer que arda. O Estado não se importa, os madeireiros, as celuloses, os proprietários dos pinhais, os municípios e as empresas que alugam ou vendem equipamento querem que arda. Vejamos.
Os madeireiros e as empresas de transformação de pasta de papel querem que arda porque compram a madeira mais barata com uma redução mínima na qualidade. Os proprietários querem que arda porque, em diversos locais, depois dos incêndios, surgem projectos de loteamento e urbanização, que trazem adstritos lucros chorudos. Os municípios ganham exactamente por aquilo que cobram e lucram a prazo com esses novos projectos urbanísticos. As empresas que alugam aeronaves lucram porque têm mercado garantido para o seu equipamento, que lhes cobre as despesas do ano todo. E todos eles sabem que, por cá, o crime compensa.
Como se pode imaginar, e como tantas coisas por estas bandas, o remédio para isto não está em Roma. Bastava querer. Proibiam-se projectos de urbanização em área ardida durante, pelo menos, cinco anos. Taxavam-se as transacções com madeira queimada com um imposto suplementar que incidisse sobre o valor do negócio e que tivesse uma taxa na ordem dos 100%. E o Estado, em vez de alugar equipamento, comprava-o. Com o dinheiro que se gasta anualmente dava para comprar uns quantos aviões Canadair, que seriam operados pela Força Aérea. É que pilotos já temos, e já lhes pagamos ordenado. E a Força Aérea não teria, obviamente, problemas em cumprir essas missões.
Mas as coisas neste país não ficam por aqui. A educação está abaixo de cão. A preparação é má logo na escola primária, o que condena ao fracasso, só por isso, uma larga fatia dos jovens que entram no sistema de ensino. A preocupação com as estatísticas em vez de com a qualidade, levou ao abandalhamento completo do sistema público de ensino. Um número que me atreveria a dizer maioritário nos nossos jovens estudantes é ignorante, inculto, incapaz de pensar, não lê e escreve mal. Os alunos universitários cometem erros inqualificáveis e o sistema educativo esqueceu o ensino profissional, de que tanto carecemos, optando-se por criar licenciaturas a esmo, normalmente as chamadas de “papel e caneta”, de que não precisamos.
No interior, os hospitais têm falta de médicos e os centros de saúde fecham recusando-se, na prática, a assistência médica aos mais idosos e mais isolados, enquanto no litoral os médicos não faltam e repartem o seu tempo entre o hospital e o seu consultório. E a Ordem dos Médicos, numa atitude infame e canalha, do mais rasteiro corporativismo, recusa reconhecer os diplomas de centenas de imigrantes de leste, muitos deles especialistas, condenando médicos ao trabalho na construção civil, desbaratando um saber de que este país tanto carece.
O governo decidiu que devíamos continuar a apertar o cinto. O método foi o mais fácil e o menos eficaz: aumentou os impostos. Enquanto isso, a Administração Fiscal reconhece a sua incapacidade para cobrar grande parte dos impostos em falta, por falta de meios de pela organização obsoleta dos seus serviços, que ninguém parece interessado em reestruturar.
O Turismo, que poderia ser uma inesgotável fonte de riqueza se bem orientado, foi tratado da mesma forma que tudo é tratado neste país. O Algarve é o caos urbanístico que se sabe, onde no Verão até a água falta, exemplo típico do tacanho espírito nacional do enriquecimento rápido e do quem vier depois que feche a porta. Na costa alentejana, apesar da protecção, caminha-se para o mesmo e o Alqueva, ao contrário das promessas, vai alimentar campos de golfe dos dois lados da fronteira e não, afinal, auxiliar a agricultura. Apesar de importarmos cerca de 80% do que comemos.
Continua-se a morrer brutalmente nas nossas estradas e a solução encontrada foi aumentar as multas. Não vi ninguém com responsabilidade dizer que se vão alterar os traçados que mais matam na Europa (que por acaso são cá!). Nem dizer que se vai investir em campanhas de sensibilização a sério, que durem o ano todo e vão das escolas à televisão. Os portugueses, com um dos mais baixos rendimentos da União, pagam tanto de imposto automóvel que têm que comprar utilitários ou citadinos para fazer as vezes de carros familiares. Os resultados estão à vista.
Podia continuar, ad infinitum, a falar de como vão mal as coisas por estas bandas. Acho que estamos, como povo, condenados ao fracasso. Este país está falido e ninguém se importa. Continuamos, alegremente, a destruir o resto do pouco que temos, com o mesmo sorriso alarve com que inaugurámos 10 estádios de futebol.
A minha filha tem cinco anos. Para o ano vai para escola e comecei à procura de uma. Pretendo colocá-la numa escola internacional. O curriculum não é o nosso, a língua não é a nossa, a exigência não é a nossa. Espero que continue a sua formação (licenciatura, curso técnico … o que quiser) noutro país.
Mas aquilo que mais desejo é que ela, depois, não queira voltar. E que possa, um dia, fazer a sua vida num país a sério.
Mas aquilo que mais desejo é que ela, depois, não queira voltar. E que possa, um dia, fazer a sua vida num país a sério.
AR
Comments:
<< Home
Uma nota, ó VPV de trazer por casa: estão já proibidos os projectos de urbanização em área ardida. Creio que a moratória é dez anos (e não cinco, como sugeres).
Outra coisa: o estado da nação, de que te lamentas, não é fruto do acaso. Tem responsáveis indirectos
(nós todos, a idiossincracia lusa, o clima, etc, etc.) e directos. Muitos deles são do partido a que pertences. Recordo, por exemplo, que, desde o 25 de Abril, a tutela da Educação, esteve na dependência de ministros do PSD durante 20 anos.
Coisa semelhante passa-se com a Saúde. E com o belo projecto do Alqueva. E com a desordenamento do território. E com os estádios de futebol. E tanta outra coisa, AR.
Outra coisa: o estado da nação, de que te lamentas, não é fruto do acaso. Tem responsáveis indirectos
(nós todos, a idiossincracia lusa, o clima, etc, etc.) e directos. Muitos deles são do partido a que pertences. Recordo, por exemplo, que, desde o 25 de Abril, a tutela da Educação, esteve na dependência de ministros do PSD durante 20 anos.
Coisa semelhante passa-se com a Saúde. E com o belo projecto do Alqueva. E com a desordenamento do território. E com os estádios de futebol. E tanta outra coisa, AR.
Outra nota, ó FL de trazer por casa: por acaso já reparaste o caso que se faz dessa tua moratória? Cinco anos chegavam se fosse cumprida, sabes?
E por acaso escrevi em algum lado que a culpa não é do partido a que pertenço? Eu não sei se dizer isso te serve de algum consolo. A mim não. A merda está feita, continua a ser feita e vai ser feita até não se poder fazer mais, porque isto não é uma questão de partidos: é uma questão de gente, de falta de educação, de civilidade ... enfim, daquilo que distingue os países de cambada dos países a sério. E este, infelizmente, é de cambada.
AR
E por acaso escrevi em algum lado que a culpa não é do partido a que pertenço? Eu não sei se dizer isso te serve de algum consolo. A mim não. A merda está feita, continua a ser feita e vai ser feita até não se poder fazer mais, porque isto não é uma questão de partidos: é uma questão de gente, de falta de educação, de civilidade ... enfim, daquilo que distingue os países de cambada dos países a sério. E este, infelizmente, é de cambada.
AR
Posso, portanto, concluir que entendes que se tivesse sido outro partido, o PS, ou o PC, o país não estaria assim?
AR
AR
O destino? Não. Foi o Pai Natal, que foi para festa com o Rodolfo e se esqueceu de passar por cá e deixar umas prendas para a malta. Pelo menos, enquanto desembrulhávamos as prendas não faziamos asneiras!
Assim, apanhámos com o Vasco Gonçalves, O Otelo, o Spínola, o Costa Gomes, o Balsemão, o Soares, o Cavaco, o Guterres, e Barroso, o Sócrates e ...
AR
Assim, apanhámos com o Vasco Gonçalves, O Otelo, o Spínola, o Costa Gomes, o Balsemão, o Soares, o Cavaco, o Guterres, e Barroso, o Sócrates e ...
AR
Esqueceste-te do maior de todos: o Santana! (que, por sinal, também do teu partido).
Ah!, desculpa, isto não é uma questão de partidos.
Ah!, desculpa, isto não é uma questão de partidos.
Pois ... vês ... o Santana. Estava-me mesmo a esquecer dele. A isto se chama memória selectiva. Mas também um povo que elege oito deputados do Bloco e sustenta um partido como o PC ... vou ali já venho.
AR
AR
Sim, essa malta que elege deputados à esquerda do PS é gentalha da pior espécie!
Nada que se compare ao Santana, ao Isaltino, ao Valentim Loureiro, ao António Preto, ao Alberto João Jardim, Jaime Ramos & pandilha, ao Avelino Ferreira Torres, enfim, a todas as pessoas que honram a política e a quem Portugal tanto deve.
Nada que se compare ao Santana, ao Isaltino, ao Valentim Loureiro, ao António Preto, ao Alberto João Jardim, Jaime Ramos & pandilha, ao Avelino Ferreira Torres, enfim, a todas as pessoas que honram a política e a quem Portugal tanto deve.
Estás-te a esquecer do Fernando Gomes, da Fátima Felgueiras, do Narciso Miranda, do António Saleiro, enfim, a mais estas pessoas, entre outras, que honram a política e a quem Portugal tanto deve.
AR
AR
Estavas a falar da Saúde e da Educação & etc. E, em todo o caso, tu não me respondesse porque é que não era melhor. Porque é que o melhor (os teus PSD's) são tão maus como tu descreves no post.
Mas numa coisa tens razão: a diferença entre o PS e o PSD é imperceptível.
Mas numa coisa tens razão: a diferença entre o PS e o PSD é imperceptível.
Alas, meu caro, eu não disse, nem quis dizer, que o meu PSD foi melhor do que o PS ou do que teria sido o PC. Isso concluiste tu. Eu acho que foi igualmente mau. Mas a propósito de Educação, não era essa a paixão do Guterres?
AR
Enviar um comentário
AR
<< Home