sábado, setembro 24, 2005

comparado com isto, o caso Felgueiras é uma brincadeira de crianças

A Quinta Coluna lê o Público e faz serviço público, porque este artigo (de ontem, dia 23/9/2005) não está on-line:
12 milhões pagos pelo Estado em 2001
ESCRITÓRIO DE LAMEGO, COSTA E VITORINO CONSEGUI INDEMNIZAÇÃO PARA UM CLIENTE QUE TINHA SIDO RECUSADA POR CAVACO SILVA
José António Cerejo


Logo após ter saído do Governo, onde tinha tido responsabilidades na negociação do caso, José Lamego passou a representar a parte contrária ao Estado e o seu cliente obteve a indemnização que lhe havia sido recusada.

O Governo de António Guterres pagou, em 2001, uma indemnização de quase 12 milhões de euros à multinacional Eurominas, depois de a empresa ter passado a ser representada, nas negociações destinadas a pôr fim ao litígio que a opunha o Estado, pelo dirigente socialista José Lamego e outros advogados do escritório criado por ele próprio, por António Vitorino e pelo actual ministro da Justiça, Alberto Costa, após a saída dos três do Executivo em finais de 1997.
A indemnização em causa tinha sido expressamente recusada por Cavaco Silva em 1995 e era reivindicada pela Eurominas devido ao facto de o Governo do PSD ter decretado a devolução ao Estado, sem qualquer compensação, dos 86 hectares do estuário do Sado que tinham sido cedidos à empresa em 1973 para aí instalar uma fábrica entretanto encerrada.
Mesmo António Guterres sustentou depois em tribunal, durante anos, que a reivindicação da Eurominas não tinha qualquer fundamento legal. Todavia, logo a seguir à sua tomada de posse como ministro da Defesa e da Presidência no primeiro Executivo Guterres, ainda em 1995, António Vitorino desencadeou um longo processo de negociações, a pedido da Eurominas, que envolveu também, em nome do Governo, o então secretário de Estado da Cooperação José Lamego, e acabou por conduzir ao acordo indemnizatório de 2001.
O valor estabelecido nesse acordo, dois milhões e 384 mil contos (quase 12 milhões de euros), mais do que duplicou o montante de um milhão e 143 mil contos proposto por todos os técnicos representantes do Estado num grupo de trabalho nomeado para determinar a indemnização a pagar depois de Vitalino Canas, à época secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ter formalmente aceite, em 1998, o princípio de que a Eurominas tinha direito a ser indemnizada.
O processo negocial iniciado por António Vitorino passou para as mãos de Vitalino Canas no final de 1997, após a demissão do ministro da Defesa e da Presidência, e foi depois herdado pelo secretário de Estado da Administração Portuária, Narciso Miranda, e pelo seu sucessor na pasta, José Junqueiro, que haveria de celebrar o acordo final com empresa em meados de 2001.
Representada inicialmente nos contactos com o Governo pelo seu advogado e administrador delegado Bernardo Alegria, a Eurominas passou a ser representada pelo advogado José Lamego, amigo de longa data daquele administrador, quando o secretário de Estado da Cooperação deixou o Governo, juntamente com António Vitorino e Alberto Costa.
Ao longo de quase dois anos, entre 1998 e finais de 1999, José Lamego, que foi eleito deputado nas eleições de Outubro desse ano, passou a enfrentar à mesa das negociações, em nome da Eurominas, os quatro representantes do Estado que com ele discutiram o valor da indemnização a pagar à empresa. O acordo não foi obtido nessa altura, mas acabou por sê-lo um ano e meio depois, em Maio de 2001, numa base idêntica à negociada com José Lamego, pelo seu irmão António Lamego, igualmente sócio do escritório de advogados de Alberto Costa, José Lamego, Rui Afonso e Associados [António Vitorino tinha saído meses antes para a Comissão Europeia].

Lamego diz que lhe escapou "impedimento legal"
Confrontado com o facto de ter enfrentado o Estado em nome da Eurominas menos de um ano após ter cessado as suas funções governamentais, o que é proibido por lei - independentemente do facto de ter previamente acompanhado o processo enquanto membro do Governo -, o actual deputado socialista José Lamego começou por negar a existência de qualquer ilegalidade nessa situação. "Quando participei nessas negociações, eu não era deputado. Nunca iria cometer uma falha grosseira a esse nível", garantiu ao PÚBLICO, em Abril deste ano, o também professor de Direito José Lamego, excluindo assim a hipótese de a sua intervenção violar algum preceito legal. Mas, posto perante o artigo 9º da Lei 6/93 - segundo o qual "os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos estão impedidos de servir de árbitro ou de perito, a título gracioso ou remunerado, em qualquer processo em que seja parte o Estado e demais pessoas colectivas", mantendo-se esse impedimento "até ao termo do prazo de um ano após a respectiva cessação de funções" -, o deputado corrigiu a sua posição: "Sinceramente não me apercebi na altura da existência desse impedimento. Admito que me tenha escapado esse preceito, que aliás é um bocado esdrúxulo".

"Agi em total boa-fé"
José Lamego secundariza o seu papel, enquanto secretário de Estado, na fase inicial das negociações com a Eurominas - "Recebi uma vez o dr. Bernardo Alegria apenas na óptica dos bons ofícios. Aliás, sou amigo dele há muitos anos e considero que não houve qualquer conflito de interesses, porque eles nunca chegaram a formalizar, junto da Secretaria de Estado da Cooperação, o projecto de investimento que queriam fazer em Angola, se fossem indemnizados" -, mas considera que "o Estado fez um excelente acordo" com a empresa. Quanto à Eurominas, o deputado acha que a empresa também ficou bem. "Ir para os tribunais demorava sete ou oito anos. Eu recomendei que fizessem o acordo pelos três milhões de contos e eles aceitaram por um pouco menos".
Sustentando que "o decreto de reversão [de Cavaco Silva] é um absurdo, porque configura uma forma de confisco", o deputado frisou que não esteve nas negociações até ao fim. Questionado sobre o nome de quem ficou a representar a Eurominas, respondeu: "Foi o dr. Gonçalo Capitão". "Mas o seu irmão, o dr. António Lamego, também ficou...", lembrou o PÚBLICO. "É possível", admitiu.
A propósito do facto de tanto ele como António Lamego serem sócios da sociedade de advogados a que também pertencia o ministro que tinha sido o motor das negociações com os seus clientes, José Lamego assegurou: "O dr. António Vitorino não estava sequer a par de que o processo estava a ser tratado por nós". A lei das sociedades de advogado estabelece, contudo, que "devem os sócios prestar mutuamente informações sobre a actividade profissional de advogado, sem que tal envolva violação do segredo profissional".
Em todo o caso, a representação da Eurominas através do escritório de advogados que tinha como sócios dois ex-membros do Governo ligados às negociações que a sociedade mantinha com o Estado não levanta qualquer problema a José Lamego. "Acho que não há razão nenhuma para me sentir incomodado. Agi em total boa-fé. Vi agora que não podia intervir como árbitro, mas as arbitragens são as coisas mais inócuas que há", afirmou.

Seis anos de negociações à margem dos tribunais
A justificação para as negociações foi sempre a de que os tribunais levavam muito tempo a decidir. Mas para conseguir o acordo sobre a indemnização, o Estado e a Eurominas pediram repetidamente aos tribunais que nada decidissem.

Aproveitando a circunstância de António Vitorino - acabado de eleger deputado pelo distrito onde a empresa estava sediada - ter sido nomeado ministro da Presidência do primeiro Governo de António Guterres, a Eurominas não perdeu tempo. No próprio dia da posse do Executivo, em Outubro de 1995, entregou no seu gabinete um extenso memorando e um pedido de audiência urgente.
A justificação para endereçar àquele ministro um dossier relativo a um assunto totalmente alheio à sua "competência material" foi dada pela própria empresa no documento entregue: "Tendo em consideração o conhecimento que V. Ex.ª tem desta situação e a necessidade de articular os vários ministérios relacionados com este assunto, pensamos também ser oportuno fornecer-lhe esta informação".
A ideia apresentada e desenvolvida nas semanas seguintes junto do secretário de Estado da Cooperação José Lamego e das secretarias de Estado da Administração Portuária e da Energia passava por uma solução extrajudical dos conflitos entre a Eurominas e o Estado e incluía um projecto de cooperação com Angola financiado pela indemnização que viesse a receber do Estado.

A DUPLA POSIÇÃO DO ESTADO
Ao longos dos dois anos seguintes, as reuniões entre as partes envolvidas multiplicaram-se, sempre sob a direcção da equipa de António Vitorino - em particular através do seu chefe de gabinete, Jorge Dias. E o entendimento foi-se desenhando em torno da aceitação, pelo Governo, do princípio oposto ao estabelecido pelo Executivo anterior: o Estado teria de indemnizar a empresa para ficar com os terrenos destinados à APSS. Para trás ficava, entretanto, a ideia do investimento em Angola, que tinha recebido o pronto apoio de José Lamego.
Paralelamente corriam nos tribunais diversos processos que a Eurominas ia sucessivamente perdendo a favor do Estado. E no processo principal, em que a empresa pedia ao Supremo Tribunal Administrativo a anulação do decreto de reversão, António Guterres, em nome do mesmo Estado, rejeitava frontalmente todas alegações da outra parte, seguindo inteiramente a linha de argumentação do Governo de Cavaco Silva. "O que se verifica é que [com o decreto de reversão] foi cumprido - embora porventura tarde - o comando contido no artº 5º do DL 48784 que manda (e não apenas permite) que seja operada a reversão", escreveu o então primeiro-ministro socialista em Dezembro de 1995.
Esta opinião continuará, aliás, a ser a do Estado nas sucessivas alegações e contra-alegações que vão sendo subscritas pelo Ministério Público e pelos juristas da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), neste e noutros processos sobre o mesmo assunto. É o caso das alegações entregues por Rui Barreira ao STA no pleito sobre a anulação do decreto de Cavaco, onde aquele consultor jurídico do Governo insiste na defesa da legalidade da reversão sem pagamento de indemnização.

A CLARIFICAÇÃO DE VITALINO CANAS
A data destas alegações é 17 de Abril de 1998. Nove dias antes, porém, Vitalino Canas, secretário de Estado da PCM, e mais três dos seus colegas secretários de Estado, já tinham posto as suas assinaturas num protocolo celebrado com a Eurominas, onde o Estado assumiu a posição contrária, comprometendo-se a indemnizar a empresa.
Vitorino demitira-se do Governo no fim do ano anterior, mas nessa altura já Jorge Dias tinha tudo negociado com a outra parte. A tal ponto que, mais de dois meses depois de ter deixado as suas funções juntamente com o ministro, o gabinete de Vitalino Canas ainda lhe remeteu, por fax, para o seu novo emprego e não se sabe porquê, uma cópia do projecto de protocolo que viria a ser assinado em 8 de Abril.
O documento estabelecia um prazo de dez dias para a constituição de um grupo de trabalho formado por representantes do Estado e da Eurominas, que tinha como missão o estabelecimento de um acordo "sobre os montantes a pagar, a título de indemnização, pelos terrenos e pelas benfeitorias, de modo a pôr termo aos litígios existentes entre a Eurominas e o Estado". E dias depois, numa altura em que alguns dos processos já se encontravam prontos para julgamento - e quando os sucessivos pareceres dos juristas do Governo apenas admitiam a realização de negociações no caso de o acto de reversão vir a ser anulado por decisão judicial -, a PCM e a empresa começam a pedir aos tribunais para os suspenderem, uma vez que as partes estavam em vias de encontrar uma solução negociada.


JOSÉ LAMEGO PASSA PARA A EUROMINAS
A primeira reunião do Grupo de Trabalho efectuou-se na Presidência do Conselho de Ministros, em Junho de 1998, e em representação da Eurominas sentaram-se dois advogados. Um deles era José Lamego, que tinha saído do Governo com Vitorino e com Alberto Costa, então ministro da Administração Interna. Os três estavam por essa altura a lançar a sociedade de advogados que criaram formalmente em Janeiro do ano seguinte e no seio da qual José Lamego e o seu irmão António, também advogado, viriam depois a apoiar a Eurominas em todo o processo negocial que se seguiu até Maio de 2001. No último dia desse mês, com o secretário de Estado da Administração Portuária José Junqueiro a assinar pelo Estado, foi finalmente celebrado o acordo que fixou em 2.384.861 contos (quase 12 milhões de euros), o valor da indemnização que depois foi paga à empresa.
Mas para chegar a este montante, o caminho não foi fácil. Os quatro representantes do Estado no Grupo de Trabalho - um da PCM, outro da Direcção-Geral do Património, mais um da Direcção-Geral da Indústria e outro da APSS - não se entenderam com o advogado José Lamego e com o colega sobre o valor a pagar. Para tentar o acordo, o presidente do Grupo de Trabalho, um juiz jubilado que presidiu ao Supremo Tribunal Administrativo e é tio de Luís Patrão, à época (tal como agora) chefe de gabinete do primeiro-ministro, avançou com uma proposta intermédia.
O montante proposto por Luciano Patrão era de 3 milhões e 58 mil contos, incluindo 609 mil contos para os equipamentos fabris que permaneceriam nas instalações. Os quatro representantes do Estado, incluindo Paulo Tavares, chefe de gabinete de Vitalino Canas, ficaram-se, todavia, por 1 milhão e 143 mil contos e rejeitaram unanimemente a avaliação do presidente do Grupo de Trabalho.

NARCISO MIRANDA ENTRA EM CAMPO
Perante este impasse, Vitalino Canas dissolveu o Grupo de Trabalho no final de 1999 e o dossier passou para as mãos de Narciso Miranda, secretário de Estado da Administração Portuária. Por decisão pessoal deste, as conversas foram retomadas pouco depois, através de António Lamego, que reiterou a disponibilidade dos clientes para aceitarem "a solução conciliatória proposta pelo juiz-conselheiro Luciano Patrão".
E foi isso mesmo que veio a acontecer formalmente em 2001: o protocolo assinado por José Junqueiro fixou uma indemnização de 2 milhões e 384 mil contos, que foi paga em três prestações. O valor acordado, note-se, corresponde praticamente aos 3 milhões e 58 mil contos propostos pelo juiz. Isto porque os equipamentos por ele avaliados em 609 mil contos acabaram por ser levados pela empresa, não sendo contabilizados na indemnização.
J.A.C.

CC

Comments:
Pandilha de Macau?
 
Lindo! O PS no seu melhor...
 
obrigado pela transcrição
 
Não vi nada sobre isto na TV. Quando li pensei: aí está outra bomba. Depois estranhei não aparecer nada onde toda a gente daria conta. Mas também tenho visto pouco televisão...
 
Qual é o problema disto que você relata e o Público também? Que há bons advogados? Não entendo (nem eu nem muita gente) onde é que está a "bomba".
 
Sim, caro crítica: o problema é só que há bons advogados. É isso mesmo. Nada mais. Advogados que foram ministros e que, por isso, conhecem MUITO bem os problemas e que fogem dos tribunais e preferem bons acordos para os seus clientes (que conheceram enquanto estavam no Governo, do outro lado da lide, portanto), acordos esse feitos com os seus amigos ministros, que lhes sucederam nas pastas.

Então, qual é o problema? O Estado pagou (mal, segundo os Tribunais; mal, segundo os técnicos representantes do Estado) 12.000.000 de euros aos clientes dos ex-ministros que não quiseram resolver o problema enquanto estavam no Governo, mas os resolveram enquanto advogados dos litigantes do Estado. Onde está o problema?

Não há nenhum problema! O dinheiro até era (também) meu, por acaso, mas se aqueles senhores são (maus ministros mas) bons advogados, que fazer? Nada.

Tudo está bem quando acaba bem. Não é, dona Felgueiras?
 
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