terça-feira, setembro 06, 2005

Foi uma festa bonita, pá

“Pai, sabes que a Sofia foi ontem à festa do Avante?”. Com um pontapé debaixo da mesa tentei travar a grande boca da minha irmã antevendo a (pequena) crise familiar que aí vinha. A minha mãe soltou um guincho, enquanto a voz lhe quebrantava no que parecia ser o mais profundo desgosto: “Então agora és comunista? Espero que ninguém te tenha visto”. Oh filha antes lésbica, antes raça minoritária, antes todos os clichés que te resguardassem de comportamentos menos desviantes que ir à festa dos comunas…

Após sermão de meia hora por parte do meu pai acerca dos malefícios totalizadores da ditadura de proletariado que se transforma em ditadura do partido, das cúpulas corruptas, e porque nós fomos à Jugoslávia tinha o Tito morrido há pouco tempo e aquela gente vivia mal, e os cafés, os cafés eram horríveis porque eram do Estado e as pessoas que trabalhavam neles não tinham incentivos para os servir bem. Imagina um país constituído apenas por funcionários públicos!





Relaxem caros pais, relaxa caro AR, a festa do Avante, mal ou bem, ainda é uma festa. É certo que pululam barraquinhas pró aborto, barraquinhas de recolha de assinaturas contra o aumento da idade da reforma, barraquinhas de saudade ao camarada Cunhal, ao camarada Vasco, barraquinhas várias anti-guerra mas ninguém me obrigou a assinar nada, nem doutrinou, nem me coagiu a deixar de ter um espírito muito crítico contra a aplicação (errónea acho) do marxismo no passado e hoje em dia (e não se descarte a teoria com tanta facilidade, experimente-se o Why Read Marx Today ). Ainda se pode ir à Festa do Avante por que ela é também uma festa. A nível do partido, da sua acção, concordo com algumas coisas, discordo de muitas, não quero tornar-me numa militante, nem vejo que o prazer e curiosidade que tive ao participar neste evento me torne numa. Curiosamente não havia por lá nenhuma múmia mas sim muitas famílias, e uma grande misturada de gente. Aliás até havia muita criançada: alegres, a rebolar pela relva, bebés rechonchudos, miúdos com relógios com a cara do Che estampada( e há que apreciar a fina ironia que imagem do líder mais revolucionário esteja hoje mercantilizada até à náusea). Irrita-me por isso essa reprovação implícita que comunas-são–os-que-comem-crianças-ao-pequeno-almoço impregnado em tantos bitaites que tenho de aturar (claramente a começar no seio da minha família).

Guardo um imagem deste sábado que para mim explana bem esse espírito de festa aberta a todas as classes e espero que aberta a diferentes mentalidades (para além da saudade dos bons petiscos nas várias delegações - o bolo de caco na Madeira, crema catalana na Catalunha, os pimentos padrão na Galiza). Durante o concerto dos Xutos ficámos entre um casal com dois filhos pequenos postos às cavalitas e um casal de idosos. O primeiro era nitidamente urbano, parecia ser da classe média alta, 30 e poucos, a mulher levava uma malita com um daqueles estampados muito conhecidos da feira de Cascais. Do lado esquerdo, o casal de idosos, ao que tudo indica do campo, ela vestida de preto, ele de boina alentejana. A certa altura sobrepunham-se as 2 figuras: do cabelo branco da senhora mais velha com o loiro da pequena ao colo, ambas agitando os braços e o corpo ao som da Vida Malvada dos Xutos, e achei que não destoava nada.

Sofia

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