quinta-feira, fevereiro 09, 2006
À Liberdade - Que é sempre demasiado pouca
Manuel Barros teve a amabilidade de deixar um comentário ao post com os Cartoons que, pelo seu conteúdo e claridade de exposição deve ter outro relevo. Não significa isto que partilhe, no entanto, de todas as conclusões do autor. A edição do texto é da minha responsabilidade.
AR
"A avaliação, à luz dos acontecimentos recentes, de uma eventual compatibilidade entre islão e liberdade de expressão, que conduz, aliás, à análise daquilo que o liga às raízes do terrorismo, desenrola-se, normalmente, com grande desconhecimento das fontes canónicas, das fontes fundamentais estruturantes do Islão.
Deve-se isto, frequentemente, quer a omissões deliberadas por parte dos clérigos muçulmanos perante os não crentes quer a pura e simples ignorância dos não muçulmanos. Ora, para se abordar um assunto como este com um mínimo de critério, é necessário algum conhecimento dessas fontes: corão, sira (biografias de Maomé), hadith ou sunna (relatos pormenorizados, coligidos por muçulmanos pios, com base em, pelo menos, três testemunhos da vida e ditos do respectivo profeta).
Para quem se der a esse trabalho, nomeadamente através da consulta de bases de dados islâmicas (por exemplo: www.usc.edu/dept/MSA/reference/searchhadith.html), é rápida a conclusão de que Maomé foi muito pródigo em ordens de assassinato de todos aqueles que se lhe opuseram.
O primeiro assassinato por ordem de Maomé, de que encontramos descrição nas fontes islâmicas, foi o de uma mulher, viúva, de nome Asma, que compôs versos satirizando o autoproclamado profeta. Uma situação em muito semelhante àquela com que actualmente nos deparamos. Maomé desafiou os seus seguidores a assassinarem a mulher que o afrontou no terreno da ironia. Quem respondeu ao desafio foi um discípulo cego chamado Umair. O devoto apunhalou-a enquanto esta dormia amamentando o seu bebé. Segundo os relatos, ao ouvir isto, Maomé exclamou: «Vede um homem que assistiu o Senhor e o seu profeta. Chamai-lhe não cego, mas antes Umair “o vidente”.
De muitos mais assassinatos às ordens de Maomé se encontra descrição nos hadith. Alguns exemplos, em tradução directa a partir da colectânea de Al Bukhari, tal como constam da referida base de dados islâmica:
Volume 4, Livro 52, Número 259: Narrado por Abu Huraira: O Apóstolo de Alá enviou-nos numa missão (i.e. missão armada) e disse: “se encontrardes fulano e sicrano, queimai-os a ambos com fogo”. Quando estávamos prestes a partir, o Apóstolo de Alá disse: “ordenei-vos que queimásseis fulano e sicrano, e ninguém senão Alá pune com o fogo, portanto, se os encontrardes, matai-os”.
Volume 4, Livro 52, Número 265: Narrado por Al-Bara bin Azib: "O Apóstolo de Alá enviou um grupo dos de Ansar a Abu Rafi. Abdullah bin Atik penetrou na sua casa durante a noite e matou-o enquanto ele dormia”
Volume 4, Livro 52, Número 270: Narrado por Jabir bin 'Abdullah: O Profeta disse: “Quem está disposto a matar Ka'b bin Al-Ashraf, que ofendeu deveras Alá e o seu Profeta?” Muhammad bin Maslama disse: “Ó Apóstolo de Alá! Queres que eu o mate?” Ele respondeu afirmativamente. Assim, Muhammad bin Maslama dirigiu-se a ele (i.e. Ka'b) e disse: “Esta pessoa (i.e. o Profeta) encarregou-nos de pedir por caridade”. Ka'b replicou: “Por Alá, cansar-vos-eis dele”. Muhammad disse-lhe: “Temo-lo seguido, portanto desagrada-nos abandoná-lo antes de assistirmos ao fim da sua missão”. Muhammad bin Maslama continuou a conversar com ele desta forma até que encontrou oportunidade para o matar.
Volume 8, Livro 82, Número 795:Narrado por Anas: O Profeta cortou as mãos e os pés dos homens da tribo dos ‘Uraina e não cauterizou (os seus membros a esvair-se em sangue) até que por fim eles morreram.
Estes hadith de Al Bukhari são fontes incontornáveis e incontestáveis do Islão. Nenhum muçulmano pio pode ou deve ignorá-las. Não nos esqueçamos que, no Islão, Maomé é considerado como o máximo exemplo de vida, o homem mais perfeito que jamais caminhou ou caminhará sobre a terra.
Atente-se também no que diz o corão. Por exemplo:
Sura 9, versículo :5 : "Mas quando passarem os meses de interdição, então combatei e matai pela espada todos aqueles que associam outros deuses a Alá onde quer que os encontreis; cercai-os, assaltai-os pela força, esperai-os com toda a espécie de emboscadas...”.
De igual modo, a sura 47, versículo 4: “Quando encontrardes os infiéis, cortai-lhes a cabeça, até fazerdes grande matança entre eles”.
A sura 9, versículo 29, afirma: “Fazei a guerra contra aqueles que tomaram conhecimento das escrituras e não acreditaram em Alá, ou no dia do juízo, e que não proíbem o que Alá e o seu apóstolo proibiram... até que paguem tributo”.
A sura 5, versículo 33, ordena: “a recompensa daqueles que combatem Alá e o seu Mensageiro, e espalham a desordem sobre a terra, é apenas a de que devem ser mortos, ou crucificados, ou terem as suas mãos e pés amputados em lados opostos...”
Na sura 48, versículos 16-17, lê-se que todos os que morrem “a combater na guerra do Senhor (Jihad)” são ricamente recompensados, mas aqueles que batem em retirada são dolorosamente castigados.
A matança, por decapitação, dos cerca de 600-700 homens da tribo judia dos Banu Kuraiza de Medina, que se haviam rendido às tropas de Maomé, oferece um dos primeiros testemunhos da prática destas suras e preceitos corânicos. Repare-se que, segundo os relatos, a matança durou todo o dia, do raiar ao pôr do sol, e Maomé assistiu e orientou, imperturbável, as operações que se desenrolaram na praça principal da cidade. Até ficar com sangue pelos artelhos, segundo o ufano cronista. Deu, depois, ordens que as mulheres e crianças dessa tribo fossem reduzidas ao concubinato e à escravatura.
Quanto ao tratamento a dar às mulheres não muçulmanas cativas, atente-se neste hadith, também de Al Bukhari:
Capítulo 22, Livro 8, Número 3371: Abu Sirma disse a Abu Sa'id al Khadri (que Alá se agrade dele): “Ó Abu Sa'id, ouviste o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) referir-se ao al-'azl [coito interrompido]? Disse ele: “Sim” e acrescentou: “Fomos em expedição com o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) contra os de Bi'l-Mustaliq e capturámos algumas mulheres árabes esplêndidas, e desejávamo-las, pois sofríamos da ausência das nossas mulheres (mas ao mesmo tempo) também desejávamos obter resgate por elas. Por isso, decidimos ter relações sexuais com elas observando o 'azl (retirando o órgão sexual masculino antes da emissão de sémen para evitar a concepção). Mas dissemos uns aos outros: “estamos a praticar um acto enquanto o Mensageiro de Alá se encontra entre nós, porque não perguntar-lhe?” Interrogámos, portanto, o Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele), que disse: “não tem importância alguma que o façais dessa forma ou da outra, pois todas as almas que tiverem de nascer daqui até ao Dia da Ressurreição hão de nascer”.
Ou no Capítulo 22, Livro 8, Número 3373: "Abu Sa'id al-Khudri (que Alá se agrade dele) relatou: “Fizemos cativas algumas mulheres e queríamos praticar o 'azl com elas. Perguntámos então ao Mensageiro de Alá (a paz desça sobre ele) o que fazer, e ele disse-nos: “Na verdade, fazei-o, na verdade, fazei-o, na verdade, fazei-o, mas a alma que tiver de nascer daqui até ao Dia do Julgamento há de nascer.”
Como se vê, para Maomé, a violação de cativas pelos muçulmanos é livre e nada importa que seja feita com coitus interruptus ou de outra forma.Tudo isto demonstra a fortíssima ligação, desde a origem, entre islão e terrorismo. A questão, para os muçulmanos, não é a da opção entre fundamentalistas e moderados, que é em larga medida uma ficção ocidental, mas saber se o Islão é capaz de pensar criticamente estas suas fontes e de as rejeitar. Só isto permitirá que o Islão aceda a uma civilização de respeito pelos direitos humanos, de respeito pela dignidade do homem, caso contrário será sempre uma poderosa força para degradação humana.
Eis aquilo a que os muçulmanos devem dar resposta: «Aceita ou não aceita estas passagens, partes indesmentivelmente integrantes do Islão mas merecedoras de severo exame e crítica? Rejeita-as no seu conteúdo? Não rejeita? Condena ou não condena os referidos actos de Maomé?» Só a resposta a estas questões permitirá aferir do grau de moderação de um muçulmano e do seu respeito pela restante humanidade.
Talvez que o primeiro assunto a tratar por um muçulmano, a propósito do Islão, que traduzido literalmente significa “submissão” e não “paz”, como nos querem fazer crer, seja o de dar resposta à questão do quantum de submissão compatível com a humanidade do homem. Sinto-me com todo o direito a criticar, violentamente se necessário, com ironia e sarcasmo se me apetecer, todos estes e quaisquer outros aspectos do Islão e da vida do seu profeta, Mafamede. Um cartoon é apenas uma forma condensada de crítica. Assistem-lhe os mesmos direitos que ao discurso verbalizado. Como tal, não vejo como se possa cercear legalmente, seja de que forma for, o exercício do direito a caricaturar, quando este exercício não contém em si nenhuma violência que não seja o furor da indignação da consciência. Não tem validade alguma o argumento de que isso pode ferir susceptibilidades. Essa é a própria essência da liberdade de expressão.
É extremamente infeliz, vergonhoso, que pessoas com responsabilidades representativas do Estado português, um Estado que se quer democrático, civilizado e respeitador dos direitos humanos, como é o caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, não o consigam entender. Por este andar, quais os livros a lançar ao fogo? Quais as páginas da literatura a apagar? As do humor virulento dos dadaístas? As da ironia surrealista? Cesariny? O’Neill?... Ou talvez Camões?... Gil Vicente?...Pode-se compreender que quem viveu e conviveu, tranquila e refasteladamente, com o regime de Oliveira Baltazar (sic) tenha pouco apreço pelas liberdades próprias de um Estado democrático respeitador da dignidade humana, que junte, até, a sua voz ao coro ululante de protestos dos filo-fascistas contra a liberdade de expressão. Não custa perceber que aos nostálgicos de totalitarismos para-estalinistas, caso de alguns representantes de partidos comunistas e de mais alguns, cause engulho a livre expressão de ideias e de ideais. Mas tais fenómenos são de molde a repugnar profundamente toda e qualquer pessoa que preze a liberdade, alicerce da dignidade do homem. Porque é muito triste assistir à capitulação da civilização perante a barbárie."
Comments:
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Primeiro a sério: Não subscrevendo integralmente o teor do comentário, aplaudo a forma e a clareza do raciocínio - brilhante!
Agora menos a sério: Foi temível a ditadura de Oliveira Baltazar. Ao contrário do seu irmão, o simpático Professor Baltazar que resolvia todos os problemas com a sua máquina psicadélica, Oliveira Baltazar preferia os métodos repressivos. Há quem diga que ambos descendiam do Rei Mago Baltazar, mas considerando que este era preto a informação suscita algumas dúvidas.
LR
Agora menos a sério: Foi temível a ditadura de Oliveira Baltazar. Ao contrário do seu irmão, o simpático Professor Baltazar que resolvia todos os problemas com a sua máquina psicadélica, Oliveira Baltazar preferia os métodos repressivos. Há quem diga que ambos descendiam do Rei Mago Baltazar, mas considerando que este era preto a informação suscita algumas dúvidas.
LR
Umas coisinhas:
Islão não significa "submissão" mas "submissão a Deus".
Depois "Estes hadith de Al Bukhari são fontes incontornáveis e incontestáveis do Islão. Nenhum muçulmano pio pode ou deve ignorá-las." não é inteiramente verdade. Há muçulmanos que adoptam o Corão mas não a sunna.
Ainda: as generalizações "os muçulmanos", como só houvesse um tipo de muçulmanos, e outras que tais, não contribuem muito para o esclarecimento da realidade.
Sofia
Islão não significa "submissão" mas "submissão a Deus".
Depois "Estes hadith de Al Bukhari são fontes incontornáveis e incontestáveis do Islão. Nenhum muçulmano pio pode ou deve ignorá-las." não é inteiramente verdade. Há muçulmanos que adoptam o Corão mas não a sunna.
Ainda: as generalizações "os muçulmanos", como só houvesse um tipo de muçulmanos, e outras que tais, não contribuem muito para o esclarecimento da realidade.
Sofia
Outras coisinhas:
Quer-me parecer que só um filólogo do Árabe poderá responder cabalmente à questão do significado preciso da palavra «islão», mas talvez deva acrescentar que tive a oportunidade de conversar com vários falantes da língua, entre os quais um saudita de quem fiquei amigo (excelente pessoa, mas um muçulmano zelozíssimo, entusiasta do Hamas) que me confessaram que «islão» significa, tout court, «submissão», entendendo-se, por antonomásia, submissão não a um qualquer deus mas ao Alá. Daqui se parte, depois, para a tal «paz», que talvez seja «paz» apenas para quem tem um certo feitio. A não ser que a Sofia (se permite que a trate assim) possua informação linguística suplementar e queira partilhá-la.
Se me permite este pequeno subsídio (no seu tom musical, "une bagatelle") para o esclarecimento da realidade, também me parece crucial perceber ao que é que é a tal submissão.
Sim, submissão ao quê? Se a um deus, qual deus? Se, como diria Platão, a um Grande Animal, qual animal? Dizem que é a um deus, mas não a um deus qualquer. Ao contrário da vulgata jornalística em voga, o deus não é sempre necessariamente o mesmo. Não é Manitu, não é Baal, não é Jeová. Não é Xangô, Oxum ou Orixá, nem mesmo Dyinyinga ou Ga Gorib. É o Alá. Sugiro, se me permite, que a Sofia leia o corão, numa boa edição (tenho uma excelente, em inglês, despida dos floreados cosméticos de algumas traduções, adquirida na mesquita de Lisboa) e decida, depois, quais as características desse deus. Se é um deus bonzinho, distribuidor de caramelos pelos capuchinhos vermelhos, ou uma fera brutal e cevada, resfolgante de violência e babada em sangue.
Julguei perceber que, para a Sofia, o corão será, por alguma razão (qual, já agora?), mais benigno do que a sunna e que, portanto, como no jingle bells, já não faz mal. Estarei equivocado?
Eu, por mim, até acho muito bem que haja quem, dentro do islão, veja a sunna com olhos muito críticos. Só que, convenhamos, isso é extremamente problemático para um muçulmano. Daí serem uma minoria muito demarcada (uma espécie de região vinícola, passe a blasfémia). É que não há razões ou fundamentos para negar a autenticidade dos relatos da sunna. É impossível, com honestidade intelectual, evidentemente, negar-lhes a veracidade. Obedeceram a critérios de recolha rigorosíssimos e destinavam-se, exclusivamente, a louvar as proezas do mensageiro do alá. Alguns cronistas referem mesmo, de início, que omitiram todos os relatos que consideraram menos lisonjeiros para o seu bandarra. Só que o que, ao tempo, era proeza agora já não será tanto assim. O problema é esse. De facto, para qualquer pessoa com preocupações éticas, os comportamentos mafaméticos não podem senão suscitar grandes dúvidas e reticências. A conclusão natural seria a de que Maomé, ao contrário do que é veiculado pelo corão e pelas tradições islâmicas, não seria um gajo assim tão porreiro e, sobretudo, estaria um pouco longe de ser o mais perfeito dos homens. Isto levaria à conclusão de que o corão, ao contrário do que por lá mesmo se diz, não será um discurso ipsis verbis de um Deus que fala em arábico, acessível a todos os homens no seu sentido mais simples e imediato (é isto mesmo que diz o corão), mas algo com intervenção de manápula bem terrestre, e bem longe de infalível ou despido de erros crassos. Mas como chegar a estas conclusões e continuar a ser muçulmano? Temos aqui o princípio de uma neurose.
Seja como for, e eu até espero que o conflito seja resolúvel, com triunfo da ética sobre a submissão, facto é que, para todo e qualquer muçulmano, a sunna, o corão, a tradição islâmica, são questões incontornáveis, porque constituem os fundamentos da sua crença. Também devem ser incontornáveis quanto avaliação da sua natureza ética. É esse o desafio.
Quanto ao tipo muçulmano, eu penso que cada pessoa é um tipo, assim como alguém que diz de mim: «olha ali aquele tipo.». E que talvez existam dois tipos de generalizações: necessárias; desnecessárias.
Bem haja pelo espaço de debate que me concede no seu blogue.
Quer-me parecer que só um filólogo do Árabe poderá responder cabalmente à questão do significado preciso da palavra «islão», mas talvez deva acrescentar que tive a oportunidade de conversar com vários falantes da língua, entre os quais um saudita de quem fiquei amigo (excelente pessoa, mas um muçulmano zelozíssimo, entusiasta do Hamas) que me confessaram que «islão» significa, tout court, «submissão», entendendo-se, por antonomásia, submissão não a um qualquer deus mas ao Alá. Daqui se parte, depois, para a tal «paz», que talvez seja «paz» apenas para quem tem um certo feitio. A não ser que a Sofia (se permite que a trate assim) possua informação linguística suplementar e queira partilhá-la.
Se me permite este pequeno subsídio (no seu tom musical, "une bagatelle") para o esclarecimento da realidade, também me parece crucial perceber ao que é que é a tal submissão.
Sim, submissão ao quê? Se a um deus, qual deus? Se, como diria Platão, a um Grande Animal, qual animal? Dizem que é a um deus, mas não a um deus qualquer. Ao contrário da vulgata jornalística em voga, o deus não é sempre necessariamente o mesmo. Não é Manitu, não é Baal, não é Jeová. Não é Xangô, Oxum ou Orixá, nem mesmo Dyinyinga ou Ga Gorib. É o Alá. Sugiro, se me permite, que a Sofia leia o corão, numa boa edição (tenho uma excelente, em inglês, despida dos floreados cosméticos de algumas traduções, adquirida na mesquita de Lisboa) e decida, depois, quais as características desse deus. Se é um deus bonzinho, distribuidor de caramelos pelos capuchinhos vermelhos, ou uma fera brutal e cevada, resfolgante de violência e babada em sangue.
Julguei perceber que, para a Sofia, o corão será, por alguma razão (qual, já agora?), mais benigno do que a sunna e que, portanto, como no jingle bells, já não faz mal. Estarei equivocado?
Eu, por mim, até acho muito bem que haja quem, dentro do islão, veja a sunna com olhos muito críticos. Só que, convenhamos, isso é extremamente problemático para um muçulmano. Daí serem uma minoria muito demarcada (uma espécie de região vinícola, passe a blasfémia). É que não há razões ou fundamentos para negar a autenticidade dos relatos da sunna. É impossível, com honestidade intelectual, evidentemente, negar-lhes a veracidade. Obedeceram a critérios de recolha rigorosíssimos e destinavam-se, exclusivamente, a louvar as proezas do mensageiro do alá. Alguns cronistas referem mesmo, de início, que omitiram todos os relatos que consideraram menos lisonjeiros para o seu bandarra. Só que o que, ao tempo, era proeza agora já não será tanto assim. O problema é esse. De facto, para qualquer pessoa com preocupações éticas, os comportamentos mafaméticos não podem senão suscitar grandes dúvidas e reticências. A conclusão natural seria a de que Maomé, ao contrário do que é veiculado pelo corão e pelas tradições islâmicas, não seria um gajo assim tão porreiro e, sobretudo, estaria um pouco longe de ser o mais perfeito dos homens. Isto levaria à conclusão de que o corão, ao contrário do que por lá mesmo se diz, não será um discurso ipsis verbis de um Deus que fala em arábico, acessível a todos os homens no seu sentido mais simples e imediato (é isto mesmo que diz o corão), mas algo com intervenção de manápula bem terrestre, e bem longe de infalível ou despido de erros crassos. Mas como chegar a estas conclusões e continuar a ser muçulmano? Temos aqui o princípio de uma neurose.
Seja como for, e eu até espero que o conflito seja resolúvel, com triunfo da ética sobre a submissão, facto é que, para todo e qualquer muçulmano, a sunna, o corão, a tradição islâmica, são questões incontornáveis, porque constituem os fundamentos da sua crença. Também devem ser incontornáveis quanto avaliação da sua natureza ética. É esse o desafio.
Quanto ao tipo muçulmano, eu penso que cada pessoa é um tipo, assim como alguém que diz de mim: «olha ali aquele tipo.». E que talvez existam dois tipos de generalizações: necessárias; desnecessárias.
Bem haja pelo espaço de debate que me concede no seu blogue.
Da religião nunca veio nenhum bem ao mundo! Sempre foi um pretexto para submeter, escravizar, violar, matar.
Todas pregam amor, mas praticam o ódio e a exclusão.
Todas pregam amor, mas praticam o ódio e a exclusão.
Ó amigo, olhe que o homem, enquanto homem, e a partir do instante em que pensa a sua morte e o sentido da vida, é inevitavelmente religioso. Até o ateísmo é religião...
Porquê? Toda a reflexão é uma manifestção religiosa?
Além disso o amigo percebeu perfeitamente o sentido aplicável ao termo que usei.
E já agora deixe-me que lhe diga, que os seu texto revela conhecimentos bastantes profundos sobre o Islão e uma capacidade de escrita muito boa. Pena é que o que é importante nesta questão não é saber se Maomé era um facínora ou um homem bondoso, mas sim o direito à liberdade de dizer o que se pensa sobre ele. E isso não tem preço!
Além disso o amigo percebeu perfeitamente o sentido aplicável ao termo que usei.
E já agora deixe-me que lhe diga, que os seu texto revela conhecimentos bastantes profundos sobre o Islão e uma capacidade de escrita muito boa. Pena é que o que é importante nesta questão não é saber se Maomé era um facínora ou um homem bondoso, mas sim o direito à liberdade de dizer o que se pensa sobre ele. E isso não tem preço!
De passagem, com pouquinho tempo, só para outra coisinha ;-)
A sofia que escreveu o comentário acima (eu) não é a Sofia deste blog (é melhor dizer isto, não vá ela aborrecer-se :-))
Sofia
A sofia que escreveu o comentário acima (eu) não é a Sofia deste blog (é melhor dizer isto, não vá ela aborrecer-se :-))
Sofia
Uma pequena nota explicativa:
Escrevi «o Alá», porque, no islão, Alá não é uma palavra que contenha um significado, é um nome próprio. Como Tó, Bernardo, ou Zeferino. Daí o artigo. Para o islão, Deus tem um nome próprio e esse nome é Alá. Se considero que «islão» devia ser sempre traduzido por aquilo que significa – submissão – já quanto ao Alá, francamente, não sei qual a tradução adequada. Aldo? Alberto? Aldefonso? Aloísio? Deixo este problema à consideração de alguém mais competente.
Escrevi «o Alá», porque, no islão, Alá não é uma palavra que contenha um significado, é um nome próprio. Como Tó, Bernardo, ou Zeferino. Daí o artigo. Para o islão, Deus tem um nome próprio e esse nome é Alá. Se considero que «islão» devia ser sempre traduzido por aquilo que significa – submissão – já quanto ao Alá, francamente, não sei qual a tradução adequada. Aldo? Alberto? Aldefonso? Aloísio? Deixo este problema à consideração de alguém mais competente.
Já vi que o Manuel Barros é arrongante do alto de toda a sua sapiência. Fica-lhe bem!
Ah, pronto, se o George Steiner disse, quem sou eu para contrariar...
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Ah, pronto, se o George Steiner disse, quem sou eu para contrariar...
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