terça-feira, maio 16, 2006

Carta

Já conheço esse olhar. Reprovador. Implacavelmente reprovador. O olhar de "estiveste com ela".
Por acaso estive. Tenho estado. Estou. Coisas do destino, sabes? Acontece. Preferia não ter estado. Mas as coisas nem sempre acontecem como queremos. Não existe um Grande Livro da Vida com os nossos destinos traçados. Não há um Grande Arquitecto que põe e dispõe. Somos apenas nós. Apenas insignificantes. E somos nós, nessa insignificância, que escolhemos o caminho que trilhamos. Ainda que nem sempre as nossas escolhas sejam as melhores. Mas nem sempre as opções são entre várias boas escolhas. Acho que sabes isso.
Tenho estado com ela, sim. Talvez não seja a opção óptima, mas é uma das possíveis. E foi essa que escolhi. Prefiro que não seja a opção óptima a não ser opção nenhuma. Provavelmente pensas que é preferível opção nenhuma a uma opção que não seja a melhor. Talvez. Mas já aprendi o suficiente para saber que nem sempre se consegue ter tudo. E tem que se saber viver com isso.
Num mundo perfeito teria feito outra opção. Num mundo perfeito talvez houvesse uma rede num pátio interior. A calma da tarde de Verão. A canseira recompensadora de deitar as crianças à noite. A serenidade de ver o Tempo a passar e conversar com ele. Num mundo perfeito Mansur não esperaria mil anos por Clorivedra.
Não vivemos num mundo perfeito. Sabes que ninguém lamenta não existir esse mundo perfeito mais do que eu.
Podes sempre dizer que o Mundo é o que fazemos dele. E se não é perfeito é porque não queremos. Concedo isso. Mas um mundo perfeito é feito por dois. Se pudesse ser feito só por um nem olhava para trás. Mas não consigo. Não consigo fazer um mundo perfeito a um. Por isso continuo pelo mundo imperfeito a dois.
Estou com ela, sim. E quando estou com ela sinto a mágoa imensa se saber que o mundo não é perfeito.
AR

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