terça-feira, novembro 14, 2006
Divagações LXVI
A aventura catastrófica do Iraque marca o início da queda do poder americano. Assistir-se-á nos próximos anos à agonia do seu papel de superpotência quase hegemónica enquanto dois novos actores se elevarão e tomarão um papel liderante na cena internacional: a China e a India.
O tempo de domínio das superpotências tem vindo a diminuir ao longo do tempo. O Egipto, primeira potência hegemónica, foi-o durante vários séculos. Depois Roma, que criou o mais vasto império até à altura conhecido, teve um papel hegemónico, como único actor do sistema, durante 400 anos, mais coisa, menos coisa.
O novo papel de superpotência foi tomado apenas cerca de 1000 anos após a queda do Império Romano do Ocidente, por Portugal e pela Espanha. O seu domínio na cena internacional durou qualquer coisa como 100/150 anos, com a recuperação do preceito romano do mare clausum. Seguiram-se a Holanda e, depois, o Reino Unido, que conseguiu a sua hegemonia nos mares mas nunca uma hegemonia total, tendo que partilhar espaços com a França e, durante um muito curto período, a Alemanha, para além dos decadentes impérios português e espanhol. A agonia do Império onde o Sol nunca se punha durou, mais ano, menos ano, 50 anos, do início do séc. XX até aos processos de independência, iniciados com a India em 1948.
A novas superpotências, União Soviética e Estados Unidos da América, tiveram reinados relativamente curtos, pelo menos comparando-os com os dos seus antecessores: 50 anos para a União Soviética, desde 1949 com a sua transformação em potência nuclear, e um pouco mais para os Estados Unidos, que entram agora em fase de decadência.
Estes períodos são, evidentemente, os mais perigosos e instáveis, pela própria natureza do jogo político e geo-estratégico com as suas readaptações. Enquanto uns vão perdendo a sua influência e se tornam, por isso, mais agressivos, outros tentam ganhar o seu espaço e são, também por isso, mais agressivos.
Mas este reajuste no palco internacional é diferente dos anteriores por um motivo muito simples: a dimensão populacional. Independentemente das suas geografias de natureza subcontinental, a China e a India têm, sobre os seus concorrentes, uma vantagem demográfica esmagadora, contando entre si muito perto de metade da população mundial. Se aliarmos a isso a crescente capacidade económica e tecnológica da China e a grande capacidade em termos de recursos humanos altamente qualificados da India, vemos que, em conjunto, EUA e UE têm pouco mais de metade da população da India e, para além disso, uma população envelhecida. Mesmo que se altere o quadro da natalidade na Europa e nos EUA, isso demorará pelo menos duas gerações a fazer-se notar. Ou seja, demorariamos qualquer coisa como 50 anos a retomar uma linha sustentada de crescimento populacional que nos permitisse voltar a competir, a sério, com as potências emergentes. Lá para a segunda metade deste século, julgo eu.
Ora o quadro não é famoso porque esta probabilidade é muito diminuta. A realidade é que a população de origem hispânica nos EUA é já maioritária enquanto na Europa aumentam brutalmente as populações de origem islâmica e africana, com taxas de natalidade altíssimas, e que aqui chegaram graças a uma política de portas abertas resultado de um inaceitável e comprometedor trauma post colonial. Que o digam os franceses. E agora os ingleses, que se aperceberam de repente que têm uma enorme população muçulmana, vinda sobretudo do Paquistão.
Fora isto, ainda há a considerar o futuro desaparecimento do mundo islâmico enquanto actor económico quando, inevitavelmente - resta saber se a tempo de salvar o planeta das profundas transformações climáticas em curso - terminar a corrida ao petróleo. Será a africanização de uma larga parte da população mundial que, ao contrário dos africanos, tem uma religião comum e uma agressividade latente.
Digamos que, para os próximos 50 anos pelo menos, o cenário não se afigura brilhante.
AR
Comments:
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Gostei bastante deste texto.
O que dirão defensores do anti-americanismo quando tiverem de lidar com a hegemonia asiática?
Não que seja pró-americana mas iremos passar a ver o Ocidente na periferia dos centros de decisão: é o xistema como diria um ex-prof meu.
Parabéns :)
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O que dirão defensores do anti-americanismo quando tiverem de lidar com a hegemonia asiática?
Não que seja pró-americana mas iremos passar a ver o Ocidente na periferia dos centros de decisão: é o xistema como diria um ex-prof meu.
Parabéns :)
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