quarta-feira, novembro 29, 2006

Divagações LXXII

O barco afundou há muito. E há muito que bateu no fundo. Isto de se andar sempre a dizer que agora é que foi, agora é que bateu no fundo, agora não sei o quê é conversa da treta, é fait divers. O barco há muito que afundou e bateu no fundo. Limita-se apenas a estremecer de quando em quando, quando leva mais um empurrão. O último é o dos deficientes.
Para gáudio de não consigo imaginar quem, o OE do próximo ano prepara-se para reduzir benefícios fiscais aos deficientes. Diz o Primeiro-Ministro que os dificientes mais favorecidos social e economicamente devem ter menos benefícios do que os outros.
Eu confesso aqui a minha ignorância sobre os pressupostos deste raciocínio. Sempre pensei que a natureza dos benefícios fiscais - principalmente estes - tinham a ver com o facto de se ser deficiente e não com o dinheiro que se tinha. Não compreendo a lógica subjacente ao facto de um cego rico ser menos merecedor do que um cego pobre. O problema, pensava eu, não é o de se ser rico mas o de se ser cego. A escuridão permanente da vida de um cego imagino - felizmente apenas me permito imaginá-la - que deve ser a mesma independentemente do dinheiro que se tenha no banco. Bem como os paralíticos, os mudos, os surdos, os retardados e todos aqueles para quem a natureza foi madrasta. A ideia que sempre imaginei inerente aos benefícios fiscais foi, até certo ponto, a de uma certa humanidade. De intenção de passar a mensagem aos que, ao contrário de nós, não podem apreciar a vida em toda a sua plenitude lhes dizer 'não podemos eliminar os vossos problemas mas aqui estamos, ao vosso lado, para vos dar a mão e dizer que podem contar connosco'.
Afinal não. Afinal é mesmo uma questão de mercearia. Uma questão de mercearia revoltante mas uma questão de mercearia ainda assim.
Não consigo imaginar quanto é que se vai poupar com as reduções dos benefícios fiscais aos deficientes. Imagino que seja muito. Mais do que os € 80 milhões já gastos em estudos para o necessário Aeroporto da Ota, por exemplo. Só pode, de resto. Têm que ser altíssimos estes valores que de tal forma fazem desaparecer o pouco de humanidade que estas coisas dos números ainda tinham.
AR

Comments:
Ninguém o disse, mas eu imagino qual é o problema.

Mercê dos benefícios fiscais vêem-se muitos deficientes com grandes SUV's (a custos de carros tipo Clio's ou Focus's) e tal facto deve mexer com o estomago de quem tem de dar 40 ou 50 mil euros pelo mesmo carro.

Qualquer um de nós gostaria de ter um desses SUV's e se este País não tivesse tantos gatunos, até talvez os pudessemos ter.

E já agora alguém me pode explicar como se montar uma cadeira de rodas num Clio ?
 
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