quinta-feira, novembro 30, 2006
O Barco
O Barco estava ali a dizer-nos que podia esperar mas não, foi-se embora, e deixou-nos cá, maldito uma vez maldito cem, maldito até ao fim dos tempos, que cruze os mares do mundo vazio como uma casca, navio fantasma carregado de gente a empaturrar-se de nada, camarotes de camas eternamente desfeitas com vigias a darem para o cinza escuro de um mar sempre de inverno como o nosso descontentamento.
O nosso barco foi-se embora e não levou os nossos corações mas não faz mal que eles ainda batem ao mesmo tempo, juntos mesmo que nossos olhos se afastem e procurem um novo barco para os levar numa viagem que não termine nunca, correndo por esses caminhos de água que nos esperam para lá dos cabos e promontórios destas costas, para lá das praias deste mundo e desta vida, para lá da ilusão dos palcos e das peças que às vezes nos parecem não ser as nossas.
Mil vezes maldito seja o nosso barco que nos deixou em terra e não nos levou a passear pelos caminhos do Tempo, mas ele virá para nos buscar como uma Borboleta Amarela cujas asas de seda nos tocarão e incitarão a segui-la, senhora intemporal dos misteriosos caminhos que claramente se estendem diante de nós, e nos fará voar e seguir nos ares esses caminhos de mar que o nosso barco nos não deixou seguir agora mas não faz mal que mais liberdade nos dão as asas de seda do que o peso esmagador daquele barco que afinal não era o nosso, mortalha que seguirá eternamente os caminhos dos homens enquanto nós nos ergueremos às mansões do Tempo e lá contemplaremos os eternos jardins da Primavera.
AR