terça-feira, janeiro 16, 2007

Eu bem vos disse!

Tenho cada vez mais a convicção, que me envergonha, de que vou deixar à minha filha um mundo pior do que aquele que os meus pais me entregaram a mim.
Hoje li algures a notícia, que apenas incomoda porque passada a escrito e não porque tenha sido uma surpresa lê-la, de que o Modelo Social Europeu está condenado e, lentamente, também este espaço de prosperidade e segurança que é a Europa cederá à chamada Globalização. Estão condenados os empregos para a vida, a segurança social, a saúde para todos (ou quase), a educação sem discriminação e por aí fora. No fundo, aquilo que tem distinguido a Europa de outros espaços económicos e sociais como os Estados Unidos. Ao contrário do que podem pensar os idiotas que andam aí a gritar que todos temos que pagar isto e aquilo e quem não trabalha não ganha e essas cavalidades da ordem, saímos todos a perder.
Há algum tempo atrás escrevi que estamos numa encruzilhada civilizacional e cabia-nos decidir que rumo tomar. Mas, ao contrário de outras, nesta só há duas escolhas: ou avançamos ou recuamos. E recuar é atirar fora duzentos anos de progresso e evolução social a troco de trinta moedas. Aparentemente estamos a escolher a bolsa das trinta moedas sem perceber que quando elas forem gastas não nos espera outra mas sim as grilhetas da revolução industrial.
O fim da educação com um mínimo de qualidade não nos prejudica, apenas, enquanto civilização. A Educação tal como a pretendem no futuro, levará à criação de cidadãos menores, pouco mais do que analfabetos funcionais. Quando a escola abdica da prerrogativa de ensinar a pensar - e não ensinar o que se deve pensar, que é muito diferente - está a prestar um mau serviço à comunidade. Quando a Saúde se rege pelo princípio do custo por cabeça e não da qualidade de vida por cabeça, estamos evidentemente a seguir na direcção de deixar morrer os que estão longe e/ou são demasiado pobres para se deslocarem aos maiores centros urbanos para comprar a sua parcela de saúde. Em Portugal, é essa a política que está a ser seguida, lógica de merceeiros numa realidade em que a mercearia deveria estar fora de cogitação. Quando se aponta para o fim da segurança no trabalho e se criam as bases para o tratamento de quem trabalha como se de números ou activos em stock se tratasse estamos a lançar as bases para uma socidade do 'mastiga e deita fora' em que a pastilha elástica é substituída pelas pessoas.
As gerações dos 20s e 30s anos - principalmente estas - apoiam de forma mais ou menos entusiástica estas medidas, apelidando-as de 'progresso'. Não sabem um coisa essencial: o progresso não existe quando se ganham mais uns tostões, existe quando toda a comunidade avança e beneficia.
Essas mesmas gerações que, por um culto da juventude, se alcandoraram aos centros de decisão político e económico do mundo - basta ver a quantidade de jovens executivos à frente de grandes empresas e dos centros de decisão políticos - não têm a noção de duas coisas, porque ainda não atingiram a maturidade suficiente para o compreender: não tomaram consciência de que, como toda a criação, um dia vão morrer e, em segundo lugar, não perceberam ainda que um dia, tal como muitos de nós, vão envelhecer. E a falta desta noção - porque quando somos mais novos achamos que podemos tudo e que isso nunca vai mudar - faz toda a diferença.
A sociedade que estamos a construír é uma sociedade que está a esquecer o valor dos mais velhos. As pessoas perdem os seus empregos pela sua idade e não pela sua capacidade e experiência. O culto da juventude leva a que se pense que só os jovens têm capacidade para trabalhar. É evidentemente falso. Os mais jovens têm a grande capacidade de ser explorados, o que é muito diferente. O seu emprenho e entusiasmo é canalisado para uma quantidade absurda de horas de trabalho pagas - quando pagas - a um valor baixo. Fazem-no por dedicação, dizem, por empenho. Não é verdade. Fazem-no porque são inexperientes. Quando há dedicação a algo sem compensação merecida há, apenas e só, exploração de um sentimento louvável por um interesse menor. Chegará o dia em que estes jovens de hoje já não serão jovens. Serão, em devido tempo, substituídos por outros jovens, que os colocarão de lado exactamente quando eles tiverem acumulado experiência para começarem a ser verdadeiramente úteis.
Em segundo lugar, esquecem-se que vão morrer. E por isso, esquecem que todo o homem sente a necessidade de deixar um legado. Seja obra feita, seja pelos filhos, pela educação que se lhes dá, pelos valores que se lhes transmite, ou por algo que deixe aos outros. Qualquer coisa. É assim que a aventura da humanidade tem sido conduzida. Hoje, não vejo que se esteja na expectativa de deixar um legado. E quando envelhecerem e começarem a pensar no assunto terão sido postos de lado porque já não são jovens. Azar do caraças.
Estamos a construír um mundo pior do que aquele que recebemos. E perante esta realidade só me parece que tenhamos duas alternativas: ou entregamos os pontos e alinhamos no jogo ou não. Pela parte que me toca, não faço tenção de entregar os pontos. Mas faço tenção de, quando chegar o dia, apontar o dedo a estes badamecos e atirar-lhes à cara a frase mais irritante que se pode dizer nestas alturas: 'Eu bem vos disse!'
AR

Comments:
No meu tempo já éramos HOMENS aos 18 anos e o nosso pensamento centrava-se na "Miquelina" que empunharíamos no ultramar e na hipótese de não regressarmos vivos.

Hoje os bués de fixe aos 20 ou aos 25 ainda são putos que utilizando o esforço dos papás (o pópó e o cartão de crédito), estão-se absolutamente borrifando para a sociedade, passam à frente de todos nas filas, não respeitam os idosos, refilam se alguém diz algo e apesar de ser cruel dizer isto, não tenho pena quando "marram" numa árvore a 150 ou 200 à hora, mas lastimo profundamente aqueles que não têm culpa quando vítimas de choque frontal.

Dada a idade que tenho começa-me a ser completamente indiferente o que verifico nesta legião de idiotas pseudo civilizados, que para além do que "encornaram" na universidade são uma lástima quando falam de qualquer assunto diferente ou que nem um simples texto sabem escrever, o que fazíamos na 4ª classe.

Claro está que há sempre as excepções, mas infelizmente pelo andar da carruagem poderão vir a tornar-se mais raras se esta sociedade e meia dúzia de políticos obtusos não souberem dar a volta por cima.

Mas aguardem, espera-nos uma verdadeira revolução, essa espantosa geração dos morangos, ainda mais estúpidos que a actual, mas que fazem uma pontuação de 700000 num qualquer pinball, são uns HERÓIS. É pereciso é saberrem teklar, nham é ?

Ai minha querida mãezinha !!!
 
Meu caro AR:
É bem verdade que mais parece estarmos a caminhar para o absurdo.
É quando os homens e as mulheres se esquecem que são seres humanos e não outra coisa qualquer. Para não dizer pior, porque parece mais que há alguns mais "esquecidos" que outros.
E, de facto, quando nos "esquecemos" que o "pensamento" - saber, conhecer, apreender, o pensar - é a base para descobrir a essência do ser humano, então...
Aquele abraço
 
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