quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Divagações LXXXIII

Torna-se evidente que, nesse concurso que agora se lembraram de fazer sobre os grandes portugueses, só há quatro opções passíveis de ser escolhidas: Salazar, Aristides de Sousa Mendes, Camões ou D. João II. E estas escolhas têm a ver com a seguinte ordem de razões.
Salazar foi um dos poucos que compreendeu a alma dos portugueses e governou em função disso. É o homem do ruralismo conservador e católico, no fundo, do país que continuamos a ser hoje, apesar de nos termos mudado de armas e bagagens para a cidade. A ditadura não choca o espírito nacional, pelo contrário, e o dirigismo alivia os espíritos. Até certo ponto, Salazar e Portugal confundem-se.
Aristides de Sousa Mendes representa o espírito de humanismo e solidariedade que não temos mas que gostariamos de ter, em abstracto, de cada vez que vemos um qualquer épico sentados no conforto dos nossos sofás. Votar nele é votar na vontade de se ser humano e disponível para quem necessita.
Camões não carece de muitas delongas. Ainda hoje se lê a sua obra com prazer. O respeito e a reverência com que trata a figura da mulher, a sua capacidade em, a cada instante, seguir o coração e viver intensamente cada momento da sua vida, o seu espírito aventureiro, de homem do mundo, são características que, no fundo, invejamos e gostaríamos de ter.
Finalmente, D. João II foi o homem capaz de construír um Império sacrificando no caminho, porque de razões de Estado se tratou, a própria família. Visionário de um destino maior para um povo que, depois, se mostrou demasiado pequeno.
Fora destes estamos a perder tempo.
AR

Com destinatário certo IV

O nosso livro

A A.G.

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas em flor.


Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito.
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!


Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!


Ah! meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
«Versos só nossos, só de nós os dois!...»


Florbela Espanca, Livro de Soror Saudade (1923)

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Divagações LXXXII

Andamos todos cegos.
AR

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Em conclusão

Tendo votado 'sim' no referendo deste fim-de-semana não fiquei particularmente feliz com os resultados. Antes de mais, porque este referendo não deveria ter existido. Por um motivo muito simples: é que o bom mesmo é que não houvessem mulheres colocadas perante a contigência da realização de um aborto.
Achei a celebração na sede de campanha dos apoiantes do Sim de um profundo mau gosto. O aborto é um drama. Não é algo que se celebre. Apesar de haver, como haverá a partir de agora, o direito de o realizar dentro do prazo previsto.
Porém, estou certo, que as alterações que se farão agora à lei não vão alterar o cenário de fundo. E o cenário de fundo é criarem-se as condições para que não seja necessário recorrer ao aborto. É certo que, e disto estou convicto, sempre se realizarão abortos. Mas para os reduzir ao mínimo número possível há que fazer duas coisas: educação sexual e planeamento familiar. Liberalizar o aborto ou proibi-lo não resolve, de certeza, esse problema. Há que implementar nas escolas uma disciplina de educação sexual e planeamento familiar. Há que deixar de ter medo ou pudor em falar sobre sexo. Cabe, evidentemente, ao Estado tomar essa iniciativa. E cabe aos que se têm oposto à liberalização do aborto colocarem-se na linha da frente do apoio a essa reforma. Ao contrário da posição que têm tido de se oporem a isso de cada vez que o assunto vem à baila. Têm que perceber que aquilo por que lutam só pode ser resolvido, ou atenuado, através da educação e da informação.
AR

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