quarta-feira, dezembro 31, 2003

mais é Portugal, estúpido!

Com a devida vénia, reproduzo este post do Vincent:
«Neste país em que os bancos e as seguradoras escolhem um homem, agora acusado de crimes sexuais contra crianças, como imagem de solidez e de confiança; em que o Governo escolhe um homem, agora acusado de crimes sexuais contra crianças, como responsável da tutela da Casa Pia; em que o telejornal mais visto no país é responsabilidade de uma espécie de Ken e de Barbie decadentes a brincar aos jornalistas; em que o símbolo do cidadão comum é um bebado de fralda de fora a fazer um manguito; em que a religião oficial é o 'não-praticante'; em que os condutores são criminosos disfarçados de pessoas comuns; em que os jornalistas são uma classe que se auto-protege; em que a política é conduzida por rapazolas sedentos de poder e por mulheres secas de feminino; em que a submissão e servilismo dos cidadãos é confundida com simpatia; em que a evasão fiscal é uma espécie de norma para quem tem um canudo... dizia eu que, neste país, existem jardins, paisagens belíssimas, bons amigos e o Benfica. As vantagens são, ainda assim, muito superiores às desvantagens».
Às coisas boas do nosso país acrescento ainda o clima, a boa comida e o facto do nosso herói nacional, celebrado no dia de Portugal ser, não um guerreiro, não um político, mas um poeta. Por enquanto, claro.
CC

terça-feira, dezembro 30, 2003

é Portugal, estúpido!


Mário de Carvalho, Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina, Editorial Caminho.
Mário de Carvalho é um dos melhores escritores portugueses da actualidade. Será talvez o mais criativo, original e interessante escritor português em actividade. Enquanto, por exemplo, os consagrados Lobo Antunes e Saramago já se reescrevem a si mesmos e pouco acrescentam ao que fizeram nas obras anteriores, Mário de Carvalho manifesta, em cada livro novo, uma frescura surpreendente, dominando com mestria a língua portuguesa e trabalhando os seus contos, peças de teatro e romances com humor e ironia ímpares nas letras nacionais.
O seu último romance, Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina, é um olhar crítico sobre Portugal, um país onde impera o falajar inconsequente sobre a coerência de atitudes, onde a boçalidade alarve vale mais que a inteligência, em que a aparência pesa mais que o conteúdo.
«Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão».
Em tempo de balanço, voto neste livro como o melhor romance português de 2003.
CC
PS: Hoje tem lugar mais um encontro realizado pelas Produções Fictícias, sob o nome “É a Cultura, Estúpido!”, pelas 18.30h, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, com um balanço do ano literário e político. O convidado da sessão é precisamente Mário de Carvalho. Não vou poder comparecer, mas fica aqui a publicidade gratuita.

domingo, dezembro 28, 2003

(too much) happy end



Gostei muito do primeiro, assim-assim do segundo. Estou equidistante dos desmesurados elogios do AR, e do injustificado desprezo do CC (pois, o Cubo é que é bom...). Confesso que fui ver esta terceira parte logo no dia 18, e saí desiludido.
O que mais aprecio n'"O Senhor dos Anéis", no sua forma literária original, é o sentido eminentemente trágico da história, entre o messiânico e o crepuscular. Esta adaptação cinematográfica do terceiro tomo acaba demasiado bem, e nem sequer nos mostra o falso final que envolve o regresso ao Shire.
Esperemos pela versão longa em DVD, que no caso d'"As Duas Torres" melhorou significativamente o original.
LR

terça-feira, dezembro 23, 2003

sugestão de presente para 2004


Almanaque do Benfica, Edição Centenário 1904-2004.
O Benfica desde 1904 - Prefácio de Eusébio - Todos os jogadores - Todos os treinadores - Todos os presidentes - Todos os jogos oficiais - Todos os golos - Todos os estádios - Plantel 2003/04 - Os 100 Mais.
CC

segunda-feira, dezembro 22, 2003

nem sempre

E no entanto, há famílias felizes: alice no país dos matraquilhos.
LR

ainda mais família


Thomas Bernhard
«Eu odeio as famílias, os lares fechados, as portas trancadas, os domínios ciumentos da felicidade. Entre a família do presépio de Belém, a sagrada, e a família da Máfia siciliana, oscila sempre a nossa família».
CC

mais família

Quando eu era miúdo, o meu pai bem me dizia: «filho, quando estiveres a postar copia o texto antes de o publicares no blog. Senão, podes ficar com o post quase ilegível e terás de o re-editar para corrigires os erros».
Na altura eu não percebia e não ligava às suas palavras. Hoje, passados todos estes anos, reconheço que ele tinha razão.
CC

família

- Devia ter dado ouvidos ao que o meu pai me dizia.
- Porquê? O que é que ele dizia?
- Não sei. Não lhe dei ouvidos.
CC

domingo, dezembro 21, 2003

ad perpetuam rei memoriam


10.000 visitas. Obrigado e parabéns a todos.
A Quinta Coluna

sábado, dezembro 20, 2003

ineptidão da petição inicial

Um homem rouco assemelha-se a uma mulher zangada: percebe-se que fala, mas não se entende o que diz.
CC

sexta-feira, dezembro 19, 2003

subscrevo

O post Rosa, rosae do Pedro.
CC

quinta-feira, dezembro 18, 2003

Breves

De volta a este jardim à beira mar plantado, depois de incursão por terras de África (relato da viagem posteriormente), algumas breves impressões, daquilo que 'apanhei' estes últimos dias.
Saddam Hussein - Devo confessar que tive pena que o apanhassem. Sei que não é politicamente correcto dizer-se isso mas dava um gozo enorme ver o embaraço da pior administração norte-americana que eu "conheci". Só lamento as vidas que todos os dias são ceifadas no Iraque por causa de uma guerra estúpida e desnecessária.
Aborto - Primeira afirmação: Sou favorável à despenalização do aborto. Segunda afirmação - a despenalização não vai resolver problema nenhum. As mulheres que não têm condições económicas vão continuar a abortar em vãos de escada porque os médicos vão 'apresentar' objecção de consciência nos hospitais públicos para deixarem de objectar nas clinicas privadas e continuará a não haver educação sexual nas escolas. Vai tudo continuar na mesma. E com um referendo realizado há tão pouco tempo, não compreendo como é que se quer voltar a mexer no assunto...
Igreja Católica - Quem me conhece conhece a minha forte tendência anti-clerical, a juntar ao meu ateísmo militante. Mas isso não obsta a que diga aqui, publicamente, que gostei sinceramente das posições tomadas nos últimos dias por alguns bispos católicos. Alguns precipitados gritaram logo que aqueles prelados afinal não eram contra o aborto. Erro crasso. A doutrina não mudou. Mas a afirmação pública de que as mulheres que o praticam não devem ser criminalizadas por isso parece-me uma posição de respeito e compreensão pela situação dessas mulheres. E a manifestação desse respeito só merece, também, o meu respeito.
Imigrantes - O Comissariado presidido pelo Padre Vaz Pinto tem feito um trabalho muito positivo em prol dos emigrantes no nosso pais, nomeadamente dos ilegais. As propostas, que aparentemente vão ser contempladas num novo regulamento, que enquadrará o direito dos filhos desses imigrantes à educação nas escolas portuguesas e ao apoio social, bem como à reunificação das famílias parece-me um passo importante dado na direcção correcta, por um país que parece que se esqueceu que tem 4 milhões de compatriotas a viver noutros países.
AR

o amor é,

por entre o cansaço e o desânimo, tratar de tudo como se valesse a pena.
CC

quarta-feira, dezembro 17, 2003

sweet and tender taliban

Em ambos, a mesma cegueira ideológica e desonestidade intelectual. Agora lamentar que um (Vale de Almeida) seja de esquerda, e achar natural que o outro (Luís Delgado) seja de direita, é a habitual demagogia dos bem-pensantes. Desculpa lá CC, mas já sentia falta de uma polémica intra-blog.
LR

aborto

Miguel Vale de Almeida volta ao seu ódio de estimação. Agora, a propósito do aborto, ataca violentamente a Igreja Católica (uma «obscura seita», nas suas palavras, cujos sacerdotes «são os herdeiros directos da instituição que durante séculos assassinou milhões de pessoas (índios, negros, judeus, bruxas, homossexuais, protestantes, etc.) e se calou perante o Holocausto»).
Para Vale de Almeida - que, ao que parece, está na confortável posição de não se assumir como herdeiro seja do que for -, os oposicionistas à despenalização do aborto são gente a quem falta a Razão e que, motivada pela "inveja do útero", mas sob a capa de «defensores da Vida», atenta contra a Liberdade. Por essa razão, sugere mesmo que os membros da Igreja «sejam acusados de associação criminosa e publicidade enganosa e confinados em campos de reeducação para a aprendizagem de ciências naturais, igualdade de género e sexualidade livre e responsável».
Tenho pena que um discurso tão intolerante, arrogante e fascista parta exactamente de uma das vozes da Esquerda, com quem eu tive o prazer de privar, no Funchal, a propósito de um encontro sobre objecção de consciência - precisamente o reduto último da Liberdade.
CC

cubo

Como não vejo televisão, acabo por prestar um mau serviço público de blogging: peço desculpa. Esta noite a RTP 2 transmitiu um filme extraordinário, Cube, de Vincenzo Natali. Datado de 1997, Cubo foi premiado em vários festivais internacionais de cinema, entre os quais o Fantasporto, onde tive ocasião de o descobrir.
Diz a RTP que Cubo é «uma surpreendente fantasia, mista de Ficção Científica, thriller de terror e psicodrama, sobre a odisseia de seis indivíduos fechados num perverso e alucinante labirinto em forma de cubos inter-ligados, uma boa parte deles letais, devido a perversas e sanguinárias armadilhas. O estreante Vincenzo Natali constrói um filme de sufocante e opressivo suspense, explorando de forma admirável um delirante jogo de resistência psicológica e física à claustrofobia e a forças desconhecidas e mortais, em que cada um tem de contar com os seus dotes pessoais e com a cumplicidade e ajuda dos restantes».
Em geral, é este o tom dos comentários a este filme brilhante. No entanto, falta sempre referir que Cubo é o mais existencialista de todos os filmes. Um espelho fiel da condição humana numa terra sem Deus. A busca de um sentido, de um caminho, uma saída (melhor dito, de uma redenção) - para que, quando os julgamos ter encontrado, nos perguntemos: e agora, que fazer?

Quentin: For Christ's sake, Worth, what do you live for? Don't you have a wife, or a girlfriend, or something?
Worth: Nope. I've gotta pretty fine collection of pornography.
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Worth: What do ya think?
Leaven: You don't have a lot of lives left.
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Worth: There is no conspiracy. Nobody is in charge. It's a headless blunder operating under the illusion of a master plan. Big Brother isn't watching you anymore!
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Quentin: Who do you think the establishment is? It's just guys like me. Their desks are bigger, but their jobs aren't. They don't conspire, they buy boats.
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Worth: You think somebody would go to all the trouble to build this thing if you could just walk out?
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[Leaven, Kazan & Worth reaching the exit of the cube]
Worth: There's nothing out there for me.
Leaven: I can live with that.
Cube é uma simples mas belíssima metáfora à existência humana.
CC

terça-feira, dezembro 16, 2003

fotos incómodas

Mais uma foto incómoda, Jaquinzinho:

CC

sincronia natalícia


Ontem foi o dia de aniversário do meu amigo Tolentino, devidamente celebrado na blogosfera. No mesmo dia nasceu o «menino M», como lhe chama o Poolman, filho de um companheiro de exílio.
Sinais de júbilo e de esperança.
CC

vae victis



Seriously, now... Que fazer com os vencidos? A resposta foi variando ao longo dos tempos. Nas histórias de Astérix há varias referências mais ou menos cómicas ao chefe gaulês Vercigentorix (lembram-se de O Escudo de Arverne?), quando a História propriamente dita nos diz que o dito cujo foi decapitado, ou degolado, em Roma.
Voltando ao registo ficcional, relembro esse grande The Bridge on the River Kwai. Nunca é de mais evocar David Lean, em especial nesta idade das trevas em que reinam os Wachowskis e outras entidades sinistras, mesmo não sendo este o seu melhor filme. E Alec Guiness corporiza como ninguém a dignidade possível do militar derrotado, com o seu quê de nonsense.
Actualmente, depois do(s) julgamento(s) de Nuremberga, é relativamente pacífico o entendimento segundo o qual é necessário submeter os vencidos ao veredicto de um órgão normalmente apelidado "Tribunal". E é aqui que começam normalmente os equívocos: qual a ordem jurídica onde se insere o mesmo? qual a comunidade que mandatou os magistrados em causa para esse efeito?
Em Março deste ano, a revista International Bar News publicou um interessante artigo sobre o enquadramento jurídico dos pressupostos invocados pela coligação EUA-Reino Unido (e apêndices, ibéricos e outros) para justificar a intervenção militar no Iraque. E concluía o artigo que, independentemente da validade jurídica de tais pressupostos (brevemente voltarei ao assunto), era sintomática a atitude de tentar adequar o caso aos princípios e regras do Direito Internacional.
Veremos agora, sob este prisma, como se processa o julgamento de Saddam Hussein. Em termos mediáticos (ver post infra) já começou mal.
LR

segunda-feira, dezembro 15, 2003

haja decência

Não havia necessidade de judiarem assim do Saddam. Podiam filmá-lo normalmente, e só mais tarde catá-lo e ver-lhe a dentuça.
LR

natureza humana

aqui fiz referência ao erro de olhar para a complexidade da natureza humana rejeitando a evidência de que o bem e o mal fazem parte de nós. E da leviandade que consiste em apelidar de desumanas todas as manifestações do mal.
Também Pacheco Pereira, em face de uma questão concreta (a beleza de uma obra de arte - o Requiem Alemão de Brahms), coloca-se a seguinte pergunta: «quantos nazis, quantos torcionários, ouviram este Requiem com emoção, sentiram estas palavras, marteladas na nossa memória cristã desde a infância? Com genuína emoção? Certamente muitos.
Há qualquer coisa de errado na feitura dos humanos. Um
bug, uma linha solta do programa, mesmo no sítio mais crucial, não no logos, mas no ethos».
Agora, o nosso pastor preferido mostra-se (como sempre, aliás) comedido com a captura de Saddam Hussein: «no seu lugar poderia estar eu».
Quantos de nós poderemos assegurar, por exemplo, que, nas mesmas circunstâncias (o tempo, o lugar, a educação, etc.), não seríamos apoiantes de Hitler na Alemanha dos anos 30?
Conheço demasiados potenciais Hitlerzinhos, a quem só falta o poder desmedido para lhes potenciar as pequenas crueldades que já fazem no uso dos ridículos poderes em que estão investidos. E tenho medo.
CC

Saddam

Os Estados Unidos prenderam mais um ex-aliado.
CC

sábado, dezembro 13, 2003

errate

Onde se lê «errate», deve ler-se «errata».
Obrigado.
CC

sexta-feira, dezembro 12, 2003

justiça rodoviária

Um choquezito em cadeia na 2ª circular atrasa ainda mais o tráfego do princípio da noite de sexta-feira em Lisboa. É só chapa superficial, mas é sempre uma chatice para os condutores. Passo pelos veículos envolvidos no acidente: um BMW, um táxi e um jipe. (Eh! eh! eh!)
CC

luz de Dezembro


Ornatos Violeta, O Monstro Precisa de Amigos, 1999.
Enquanto percorro, lenta mas convictamente, a faixa esquerda do IC 19, vou observando os rostos dos meus companheiros da via sacra que circulam em sentido contrário: adormecidos, apáticos, conformados, tristes, de olhar fixo e ausente, enfastiados, enfim, está disponível uma diversidade infinita de expressões.
Hoje, estacionado na faixa esquerda do itinerário, ouvia os Ornatos Violeta a cantarem-me palavras que eu gostava de ter escrito e observava o céu azul a descobrir a luz límpida de Dezembro. Deparo com uma rapariga lindíssima ao volante de um Nissan vermelho, também imobilizado, mas na faixa esquerda do sentido contrário. Também perscruta o horizonte. Cruzamos os olhares e ela sorri-me. Devolvo-lhe um sorriso desajeitado. Depois de uma eternidadezinha, arranco o carro para mais 1,57 metros de estrada e ela despede-se com um sorriso maior e um piscar de olho.
Isto ilumina-me todo o dia. Por momentos acreditei que a vida também foi feita para mim.
CC

quinta-feira, dezembro 11, 2003

olhe que sim, olhe que sim

«Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?»: faz, no Barbas.
LR

o Benfica

Extracto do final da entrevista concedida por António Lobo Antunes à revista Visão de 27 de Novembro de 2003, falando sobre a guerra colonial em Angola (roubado daqui):
«ALA: Ao mesmo, tempo havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.
Visão: Parava a guerra?
ALA: Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica. Era uma sensação ainda mais estranha porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós.
O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra.
E nada disto acontecia com os jogos do Porto e do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos.
Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?
Visão: Não vou pôr isso na entrevista...
ALA: Pode pôr. Pode pôr. Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?»
CC

quarta-feira, dezembro 10, 2003

ninguém toca no IC 19!

Já se sabe que este Governo alterna a inércia com a inépcia (sem ofensa para este digno e-zine). Ora quer deixar tudo entregue ao cotovelo invisível do mercado (o mesmo é dizer às mãos vísiveis dos amigos mercadores) ou resolve tomar medidas avulsas e despropositadas, quando mais valia estar quieto.
Agora o homem-que-sabe-onde-estão-as-armas-iraquianas-de-destruição-massiva-mas-não-diz-a-ninguém anunciou o alargamento do IC 19. Houve quem percebesse que se tratava do largamento do IC 19, mas veio logo o desmentido: a intenção é mesmo alargar esta via libertadora e, assim, descaracterizá-la e anular a função estabilizadora que tem vindo a exercer nos milhares de felizardos que a percorrem diariamente. Como eu.
Como já aqui e aqui referi, é no IC 19 (e também na 2ª Circular, há que reconhecê-lo) que passo as melhores horas do meu dia: de manhã, actualizo as notícias disponíveis na Antena 1 e na TSF, alterno a boa música passada pela Radar e pela Voxx e ainda tenho tempo para ouvir um cd inteiro; à noite, leio o jornal, oiço a Antena 2 e volto ao cd da manhã. Tenho tempo - esse recurso escasso e subversivo, que nos permite pensar. Caso seja necessário, o IC 19 fornece ainda uma desculpa plausível para um eventual atraso ao serviço ou a um qualquer encontro. Entre estes dois momentos sublimes, onde estou irredutivelmente só e retomo o meu lugar na harmonia do mundo, pouco acontece: relações sociais forçadas, contactos formais, um trabalho rotineiro. Em suma, uma existência irrelevante. É isto que o Governo quer alargar.
CC

O nosso companheiro secreto Pedro trata-me por cavaleiro da Dinamarca e ilustra o seu amável post com uma imagem de um dos meus filmes preferidos, Naked, do britânico Mike Leigh.
é um filme inquietante, apocalíptico, que narra a odisseia de um anti-herói existencialista e misantropo pelas ruas de Londres, recheado de diálogos rápidos e intensos e que questionam incansavelmente a aparência do viver contemporâneo. O filme valeu a Mike Leigh a nomeação como melhor realizador e a David Thewlis (Johnny) a distinção de melhor actor, no Festival de Cannes de 1993, e conta ainda com a participação da prematuramente falecida Katrin Cartlidge (Sophie).

Louise: So what happened, were you bored in Manchester?
Johnny: Was I bored? No, I wasn't fuckin' bored. I'm never bored. That's the trouble with everybody - you're all so bored. You've had nature explained to you and you're bored with it, you've had the living body explained to you and you're bored with it, you've had the universe explained to you and you're bored with it, so now you want cheap thrills and, like, plenty of them, and it doesn't matter how tawdry or vacuous they are as long as it's new as long as it's new as long as it flashes and fuckin' bleeps in forty fuckin' different colors. So whatever else you can say about me, I'm not fuckin' bored.
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Johnny: I've got an infinite number of places to go, the problem is somewhere to stay.
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Maggie: Have you ever seen a dead body?
Johnny: Only me own.
Obrigado, Pedro.
CC

terça-feira, dezembro 09, 2003

misteriosos são os caminhos do Senhor


Há uns anos atrás (quinze, meu Deus!) o genial Matt Johnson dizia: «If the real Jesus Christ was to stand up today, he'd be gunned down cold by the CIA». Parece que hoje em dia ainda há quem acredite, mesmo neste blog, em tais ficções libertárias. Acontece que o mundo não é a preto e branco, e para levar a cabo a sua missão nesta Terra a Igreja Católica tem de percorrer misteriosos caminhos. Religião e política, felizmente, andam a par.
LR

e vós, o que dizeis que somos?

No meu regresso à blogosfera, deparo com muitas referências ao catolicismo em vários blogs. Quer com distância e até alguma estranheza, como o Ivan, que, apesar do seu «começo de conversa», comete o erro (comum) de apartar os "valores" em que se formou e que preza daqueles que partilham os católicos - esquecendo que muitos são os mesmos; quer vindas de dentro da Igreja (o Miguel Marujo, alguns companheiros, o José, o Palombella Rossa, etc.), o que é um sinal vivificante da pluralidade do olhar, das sensibilidades e do pensamento católicos.
Mas não deixo de me sentir perplexo com a facilidade com que sou etiquetado. Rui Branco, satisfeito por me incluir no seu lado da barricada política (embora ele esteja à minha direita: é do PS...), chama-me católico progressista. O Tomás já contestou a designação com elegância e eu tomo a liberdade de subscrever a sua resposta. Quanto a católico, agradeço a honra do termo. Agora progressista? Não sei muito bem o que é isso de ser progressista, mas o progresso é uma palavra vazia que ultimamente anda associada a ideias um pouco suspeitas: o neoliberalismo e a sua máquina infernal de dilaceração das relações sociais e humanas; a patetice do relativismo cultural; a amoralidade dos costumes. Tudo por contraposição ao... conservadorismo. E, nestes campos, estou com os conservadores ingleses: mudar para quê, se já estamos mal?
Já o Pedro coloca-me na extrema-esquerda católica. Nada de mais. O Pedro, apesar de considerar notável o pontificado de João Paulo II, entende que «a Igreja deve resistir à intromissão nos assuntos políticos» (o que, felizmente, o Papa nunca se coibiu de fazer), e indica, no plano nacional, o eng. Guterres como o «produto da esquerdização dos católicos, bem como da intromissão da Igreja na esfera política», assim ignorando alegremente os (agora a expressão é apropriada) católicos progressistas dos anos 60, a luta dos católicos (sim, só alguns, eu sei) contra a guerra colonial e a ditadura de Salazar, os confrontos no pós-25 de Abril, etc., etc. O que não é de estranhar. A direita incomoda-se muito com a intromissão da Igreja na Política (quando não lhe agrada o conteúdo da "intromissão"), mas não pestaneja com o uso oportunista e hipócrita da Igreja pelos seus políticos: as missas "oficiais", as inaugurações das obras de propaganda, o beija-mão ao clero.
Ora, neste contexto de reflexão bloguista sobre o catolicismo, seria interessante saber, por exemplo, como se deu o processo de conversão de um ex-maoista ferrenho que agora se mostra tão devoto: o dr. Durão Barroso.
CC

quinta-feira, dezembro 04, 2003

this is the end, my lonely friend


"Confrontados com tal destino, uma só concepção da vida é digna de nós, aquela que já foi designada por «Escolha de Aquiles»: mais vale uma vida breve, plena de acção e brilho, que uma vida longa mas vazia. O perigo é tão grande, para cada indivíduo, para cada classe, para cada povo, que tentar ocultá-lo é deplorável. O tempo não deter-se: não há retrocessos prudentes, nem renúncias cautelosas. Só os sonhadores podem acreditar em tais saídas. O optimismo é cobardia. Nascidos nesta época, temos de percorrer até final, mesmo que violentamente, o caminho que nos está traçado. Não existe alternativa, O nosso dever é permanecermos, sem esperança, sem salvação, no posto já perdido, tal como o soldado romano cujo esqueleto foi encontrado diante de uma porta de Pompeia, morto por se terem esquecido, ao estalar a erupção vulcânica, de lhe ordenarem a retirada. Isso é nobreza, isso é ter raça. Esse honroso final é a única coisa de que o homem nunca poderá ser privado."
Oswald Spengler, O Homem e a Técnica
LR

ainda o Natal

As minhas primeiras memórias do Natal misturam frio, filhós, a missa do Galo, e um presépio por baixo da chaminé. Supostamente o Menino Jesus desceria por esta última para oferecer prendas.
Em dado momento, que confesso não saber situar, deu-se um hostile take-over (ou seria um management buy-out?) e o Pai Natal ficou com o cargo.
Agora que deixei de acreditar em ambos (só agora), fica uma vaga nostalgia. E as luzinhas, CC, já me esquecia...
LR

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