sábado, novembro 29, 2003

outro lugar

Qualquer lugar é melhor que lugar nenhum.
Volto dia 9.
CC

luzinhas

As paisagens começam a ornar-se com iluminação natalícia. Eu, que me deprimo ainda mais com a insanidade geral da «quadra» e que abomino as prendinhas, a solidariedadezinha hipócrita e o sentimentalismo de pechibeque, não consigo evitar sentir um estranho conforto com as luzes de Natal. Nada de mais, contudo. É semelhante à sensação de vida que me transmite a aproximação de um avião ao aeroporto por cima do tráfego rodoviário da cidade - especialmente de noite, quando as luzes rompem a solidão escura.
Estou preso à vida por frágeis fios de luz.
CC

sexta-feira, novembro 28, 2003

menos que zero

«Querido público:
Dezembro será o ultimo mês da programação regular que a
Zero em Comportamento manteve durante dois anos. O próximo ano trará decerto grandes mudanças para nós...
Felizmente, acabamos da melhor maneira, orgulhosos de vos poder mostrar três filmes excelentes.
A
Zero em Comportamento tem passado anos de sacrifício, a viver com o credo na boca, sempre na eminência do dinheiro da bilheteira não chegar para pagar as contas. Estivemos dependentes das flutuações dos humores do público, da chuva, do frio, do calor, dos jogos de futebol na televisão, das estreias do cinema comercial ou dos ciclos de outros cinemas; dependentes dos humores da crítica e do espaço disponível nos jornais, nas rádios ou nas televisões; dependentes ainda da nossa capacidade de distribuir pela cidade os folhetos e os cartazes com a programação, de os enviar a tempo pelo correio ou e-mail.
Estamos cansados porque os donos do
Cine-Estúdio 222 não resolvem os imensos problemas que aquela sala, de imenso potencial, tem. Sabemos bem que, por causa das condições da sala, este projecto que tanto trabalho e gozo dá, estava, desde o ínicio, sujeito ao insucesso. E estamos fartos de, sistematicamente, recebermos reclamações de pessoas a dizer que a sala cheira mal, que as cadeiras são desconfortáveis, que chove lá dentro, que a projecção é má, etc etc etc... e de sabermos que é verdade!!!
Estamos cansados de nos dizerem que o nosso projecto é fantástico, maravilhoso, único, etc, etc, etc, mas que é uma pena ser feito naquela sala e de, por isso, nos pedirem, suplicarem, ordenarem, que mudemos de sala e perante a pergunta: “Mas para que sala?”, só ficar o silêncio, por falta de alternativas ou de ideias... E por isso termos de responder: “pois é, a sala é má, mas é a única...”.
Finalmente, estamos cansados e desmotivados por, há que tempos, ouvirmos a
Câmara Municipal de Lisboa ou o ICAM dizerem que, de facto, o nosso projecto é fantástico, maravilhoso, único, que merece de ser apoiado, mas até hoje não terem contribuido com nada de concreto!
Por isto tudo e por muito mais que fica por dizer, decidimos parar. Vamos deixar de programar o
Cine-Estúdio 222.
O projecto
"Zero em Comportamento" vai ficar congelado até melhores dias. Até haver outras condições para se trabalhar. Até alguém finalmente tomar decisões a sério, e não apenas de fachada, e nos alugar, disponibilizar ou oferecer, em condições aceitáveis, uma sala de cinema condigna para fazermos um programa por ano, por cada seis meses, por mês, semana ou dia. Ou então, até alguém perceber que é mais importante haver projectos culturais que se afirmam no dia-a-dia, durante o ano inteiro, do que eventos fugazes, esporádicos, que levantam imensa poeira mas que não deixam ficar nada depois de acontecer. Mas, enfim, há quem prefira ouvir as cigarras do que reparar no trabalho da formiga...
Paramos, mas fazêmo-lo de consciência tranquila porque, ao longo destes anos (e já passaram seis desde o primeiro filme que exibimos no
222), provámos que há públicos para as mais diversas ofertas de cinema (sejam curtas, documentários ou longas dos países mais improváveis). Basta ter vontade e saber chegar a eles (aos públicos e aos filmes).
E quem tiver memória lembrar-se-á, por certo, da oferta de cinema que havia nesta cidade e poderá comparar com o que há hoje... Mas sabemos também que quem tem a iniciativa, desbrava o terreno e lança as sementes, não é necessariamente quem colhe os frutos...
Um grande obrigado a cada um(a) e a todos os que nos foram impulsionando, encorajando e criticando ao longo destes tempos. Isso significa que fizemos a diferença e no fundo isso é mesmo a única coisa que interessa...
Encontramo-nos por aí!
»
CC

quinta-feira, novembro 27, 2003

A Ver Navios

Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah!
AR

new kids on the blogue

O blog de Esquerda mudou de endereço. Agora chamam-se blogue, estão aqui e ampliaram o colectivo. Entre outros, contam com Marta Lança, responsável pela revista v-ludo que, como eu, «não tem grandes certezas sobre o que deseja para o mundo» (e para si própria?), mas sabe com mais segurança o que não quer.
Quanto a mim, Marta, assustam-me as pessoas hiper-activas e que sabem o que querem para a sua vida. Ou que pensam que sabem o que querem - às vezes essas certezas não resistem a um para quê? e dois ou três porquês?.
A acção é uma ancestral inimiga do pensamento.
CC

quarta-feira, novembro 26, 2003

Casablanca

Creio que ainda não referi aqui, mas Casablanca é o meu filme preferido. De sempre. Não sei explicar porquê.
Talvez seja a história, ou a beleza inocente de Ingrid Bergman, ou a dureza de fachada de Bogart, ou o cinismo cumplice do Capitain Renault, ou o oportunismo de Monsieur Ferrari e do seu Blue Parrot, ou ainda no eterno As Time Goes By. Não sei. Provavelmente é tudo isto.
E também a Marselhesa cantada com emoção, símbolo de liberdade contra o cadenciado e desinteressante ritmo da marcha alemã. O incontornável Aux armes, citoyens!, que não pode deixar indiferente ninguém que ame a Liberdade.
Ou talvez seja o sacrifício final da felicidade individual por um bem seguramente maior, de que restará apenas a certeza da memória, consubstanciado na pergunta e na resposta But what about us? - We will always have Paris.
AR

terça-feira, novembro 25, 2003

it was twenty-eight years ago today


A meio da tarde o meu pai foi buscar-me à escola. O resto do dia foi passado em casa, sem ter levado trabalhos escolares e em parte vendo um filme do Danny Kaye. Há quem ache que nas ruas de Lisboa se discutia o destino da civilização ocidental (eu não acho, e já expliquei porquê), mas para mim o dia 25 de Novembro de 1975 foi um dos mais felizes da minha vida.
LR

pacto de estabilidade

O rigor e a consolidação das contas públicas, apregoados pelo Governo, traduzem-se numa inflacção superior a 3%, num desemprego de 6,3%, em quase meio milhão de desempregados (à ordem de novos 4.750 por mês), num PIB negativo, entre 0,75 e 1,5%, e no encerramento de empresas, à média de 6 por dia.
E tudo isto para quê? Para se controlar o défice. O que, por sinal, também este Governo não consegue fazer: estamos com um défice superior a 5%.
Ora, tanto sacrifício era inútil. Afinal, as normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento não têm força de lei - são apenas recomendações políticas.
Deve ser complexo de classe, mas gosto muito de ver os patrões humilharem os capatazes.
CC

segunda-feira, novembro 24, 2003

O Jantar de Verónica

Conheci este fim-de-semana algumas pessoas interessantíssimas, com ideias e abertas ao debate. A Verónica emprestou amavelmente o apartamento e deliciou-nos com um conjunto de acepípes de que me não esquecerei facilmente. Tendo os tintos sido também belíssimos, facilmente se imagina o prazer que a noite me trouxe.
Bem, a certa altura discutiram-se as inevitáveis propinas, os encerramentos das Universidades e rapidamente se confrontaram duas opiniões: a do João, que defendia, na educação como no resto, o princípio do utilizador-pagador, e a da Raquel, que defendia o Estado providenciador de serviços. Ambos, devo acrescentar, defenderam brilhantemente as suas damas.
Grosso modo, o João entende que o Estado não pode, nem deve, providenciar todos os serviços e, se o fizer, deve ser ressarcido por isso. Por seu lado, a Raquel entende que o Estado deve providenciar um determinado conjunto de serviços e deve fazê-lo de forma gratuita, porque já recebe o dinheiro dos nossos impostos.
Parece-me que o princípio do utilizador-pagador só é exequível estando preenchidos um conjunto de requisitos que o não estão em Portugal, dos quais não é o menos importante o rendimento das famílias. Não pode pagar a Saúde e a Educação quem não tem meios para sobreviver. E em Portugal, como julgo que sabe, João, os rendimentos são muito baixos. Tão baixos, de facto, que muita gente não poderia sobreviver neste sistema. Mas o que mais me incomoda neste princípio, devo confessá-lo, e a falta de solidariedade que lhe está subjacente. Não a solidariedade politizada e que anda sempre na boca de quem a não pratica, mas a solidariedade dos que podem (se calhar você, eu, a Raquel, a Verónica, o André, a Marta e todos os outros que ali jantámos naquela noite) para com aqueles que não podem jantar como nós jantámos, ir para onde nós fomos e gastar o que gastámos.
Como a Raquel, acho que ao Estado cabe providenciar gratuitamente um determinado conjunto de serviços, como a saúde e a educação, bem como garantir a realização dos direitos dos seus cidadãos através de um acesso, tanto mais económico quanto possível, à Justiça. E para isso deve cobrar os impostos necessários ao financiamento desses serviços. Se o dinheiro não tem chegado, é porque muita gente não paga o que deve e não existe fiscalização adequada. Porque muitos dos que não pagam usufruem de benesses que, depois, não podem beneficiar os que de facto delas necessitam (dirá alguma coisa a alguém a distribuição das bolsas do ensino superior?).
Evidentemente, a cobrança dos impostos não é o remédio para todos os nossos males. O dinheiro deve ser gasto com rigor e quem o não fizer deve ser punido. A redução - ou mesmo o fim - dos subsídios e apoios aos agricultores que deixam as suas terras ao abandono, aos empresários que exploram o trabalho dos outros - nomeadamente o trabalho infantil e das mulheres - e não criam riqueza, às empresas que vivem parasiticamente à sombra do erário público. Enfim, são necessárias medidas contra os grupos de interesse estabelecidos, contra a corrupção, contra o tráfico de influências, contra a miríade de coisas que minam a nossa sociedade e vão minando, aos poucos, a nossa democracia. No fundo, medidas a favor de todos.
Se não resolvermos estes problemas, meu caro João, daqui a alguns anos estamos a pagar todos os serviços na íntegra, continuaremos a pagar os impostos que pagamos e, ainda assim, o dinheiro não vai chegar.
Um abraço.
AR

a gente não tem mão no amor

Era o que faltava: que, num tempo rude e seco como o que vivemos, não se pudesse chorar o amor desperdiçado.
CC

ponte de sor

Mais um blog regional perto da Aldeia Velha: os filhos da ponte pensam a Terra Bela sem medo de dizer o que pensam. Lêem o Monde Diplomatique e citam Brecht com propriedade. E têm uns maços de tabaco muito originais.
Saudações democráticas.
CC

domingo, novembro 23, 2003

humano, demasiado humano

A propósito do colóquio «Estaline em Portugal», que decorreu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é recorrente dizer-se que o estalinismo, como o nazismo, foram regimes políticos desumanos.
Terrível erro este, o de não compreender a complexidade da natureza humana - de rejeitar a evidência de que o bem e o mal fazem parte de nós. Sim, o mal também.
CC

sábado, novembro 22, 2003

poesia completa


Poemas de Ruy Belo ditos por Luís Miguel Cintra (em 2 cd's), Assírio & Alvim, 2003.

A Mão no Arado

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente

Ruy Belo
CC

sexta-feira, novembro 21, 2003

operário em construção

Caro Tomás:
Quanto ao objecto da polémica, mantenho integralmente o que disse dois posts abaixo, ou seja, não altero as minhas afirmações. A isto chama-se "opinião", se o Tomás me permitir que a tenha... Caso perturbe a sua digestão, paciência. Aqui há uns anos, o árbitro de futebol Jorge Coroado afirmou, a propósito de um erro (crucial) que cometeu, que o mesmo lhe causava azia.
LR
PS: O convite continua de pé. Polémicas à parte, gosto da sua inteligência e sentido de humor.

diz-me com quem andas...

Apesar da bandeira branca, tem sido um enxoval de insultos. Mas como o CC não é o único católico aqui da Quinta, mantenho o meu convite gastronómico para si, Tomás. Os capangas pode deixá-los em casa.
LR

mais uma bandeira, desta vez branca

Caro Tomás Tainha:
Tem sido divertida esta polémica. Não retiro uma única palavra ao que disse sobre a Senhora Engenheira (em particular quanto ao facto de ter sido Primeira-Ministra não eleita, ao melhor estilo sul-americano), e presumo que o meu caro amigo também não. Ficaremos assim nesta matéria, e registo com humor a sua resposta à minha provocação em modalidade Banda Desenhada. N'A Quinta Coluna, temos uma tradição de encerrar as polémicas com repastos pantagruélicos - fica desde já convidado. Quando me conhecer ao vivo, perceberá que o meu gosto pelas boutades e afirmações bombásticas se presta a estes equívocos.
Deste prestidigitador que muito o preza,
Luís de Matos... perdão, LR

greve

Chove. São Pedro está solidário.

CC

o sargento Tainha

Nos idos de 70, circulava por aí a edição brasileira do genial Beetle Bailey, a que os brasucas chamavam Recruta Zero. Também saía em tiras diárias nalguns jornais, creio que no DN até alguns anos atrás. Nessa BD, havia uma personagem muito antipática chamada Sargento Tainha. Porque é que me fui lembrar disto agora?
LR

quinta-feira, novembro 20, 2003

ciúme urbano

Não gosto que me digas «não te preocupes».
CC

elephant


Fui e calei.
CC

the apologist

Peço desculpa a todos aqueles que acham que o seu trabalho é interessante, estimulante e importante.
Nunca vos quis ofender.
CC

quarta-feira, novembro 19, 2003

ó Tomás, isso não se faz

O Tomás não gostou do que escrevi sobre Maria de Lourdes Pintasilgo. O AR tinha dito: «existe Democracia em Portugal por causa de Sá Carneiro, Mário Soares, talvez Freitas do Amaral, Amaro da Costa, Almeida Santos, Lurdes Pintasilgo, Mota Pinto, Francisco Balsemão, Salgado Zenha e tantos, tantos outros», e eu pedi-lhe para me explicar de que forma a Senhora Engenheira tinha contribuído para a dita Democracia.
Antes do mais, mea culpa: excedi-me e chamei-lhe aventesma (à Engenheira, não ao AR - para este reservo normalmente epítetos impublicáveis). Por essa razão - e só por essa - as minhas desculpas.
Mas o Tomás levou sobretudo a mal que da lista do AR só a Senhora Engenheira me tenha parecido deslocada, dizendo: «É estranho que precisamente a única mulher citada, aquela que no grupo se distingue por um pensamento político orgânico e não hipotecado a nenhum modelo ideológico prévio, aquela que não fundou nenhum partido, aquela que colocou no centro do debate político português questões tão fundamentais como a cidadania, o impacto cultural da acção política, o exercício da co-responsabilidade para uma justiça social, o cuidar do futuro, seja considerada dispensável.»
Para ser franco, dispensaria outros nomes da lista. Mas falando da figura em causa, recordo-lhe dois momentos históricos. Em 1977/78, viveu-se um momento negro chamado "governos de iniciativa presidencial". O Presidente que tínhamos, e que não (me) deixou saudades, escolhia um primeiro-ministro sem precisar dessa formalidade chamada "eleições", que como toda a gente sabe custam uma data de tempo e dinheiro. A Senhora Engenheira, certamente preocupada com questões tão fundamentais como a cidadania, o impacto cultural da acção política e o exercício da co-responsabilidade para uma justiça social, aceitou alegremente a incumbência de ser Primeira-Ministra não eleita. Durante os escassos meses em que desempenhou o cargo, a produção legislativa foi de tal ordem que os Diários da República correspondentes a esse período têm um muito maior número de páginas que o normal. Será que as leis anteriores estavam todas erradas? Deve ser o caso.
Em 1986, nas eleições presidenciais, a Senhora Engenheira quase conseguiu a proeza de entregar a vitória a Freitas do Amaral na primeira volta. Quem se lembra do Freitas dessa época, e da dinâmica que gerou, sabe o que isto significa. Felizmente não conseguiu o objectivo.
Sabe, caro Tomás, nem sempre as pessoas boazinhas e bem intencionadas são as mais qualificadas para ocupar cargos de decisão. A História tem-nos ensinado que isso tem normalmente consequências funestas. No caso concreto da Senhora Engenheira, penso que os factos são esclarecedores.
Agora, meu amigo, falemos da conclusão do seu post: «LR começa o seu post dizendo dele próprio: "Eu tenho andado caladinho". Confesso que o seu silêncio até se podia confundir com a sabedoria, mas estas suas palavras!». Deixe-me esclarecer que a referência a "estar caladinho" tinha a ver com tricas internas, mas agora que sei que associa mutatis mutandis a minha voz a falta de sabedoria virei postar com mais frequência. Saudações bloguistas!
LR

Um Exemplo

Portugal escreveu ontem mais uma página de ouro no longo livro dos seus feitos extraordinários. Refiro-me, evidentemente, à Selecção Nacional de Futebol de Sub-21. E ao seu inesquecível comportamento no balneário que lhe foi atribuído no simpático estádio de Clermond-Ferrand.
Devo dizer que fiquei emocionado quando vi, já hoje de manhã, as imagens do dito balneário. E emocionei-me porque vi ali, naqueles cacos, o exemplo acabado da autocontenção, da sobriedade, do fairplay de quem sabe estar na vida e se rege pelos mais elevados padrões éticos e morais.
Alguns, certamente incapazes de ver para além do fumo do imediato e do aparente, não concordarão comigo. Mas, para aqueles de nós que sempre são capazes de ver mais além e para lá das aparências, os nossos jovens tiveram uma atitude exemplar.
Vejamos.
Ao desplante francês de nos vir vencer em solo pátrio, respondemos não apenas com a vitória no terreno, mas também com uma acção punitiva nos ditos balneários. E tudo com um notável autocontrolo: uma grande parte do tecto (ainda por cima falso) ficou intacto, a estrutura de ferro da mesa que lá se encontrava escapou inteira, algumas parcelas das paredes não ficaram sujas, partiu-se vidro mas com moderação. Ou seja, castigámos mas não humilhámos.
Ditosa a pátria, meus amigos, que se faz representar por jovens deste calibre. É, seguramente, em pátrias destas que os amanhãs não deixarão de cantar.
AR

silêncio da fé


Amigo AR e irmão José,
a mim o que me dói como nada mais é o abandono da fé, a insuportável ausência da fé.
Não me basta o efémero. Dispenso uma vida sem sentidos.

«Silêncio
Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.
Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.
»
José Agostinho Baptista
CC

umbigo umbiguista


Terror de viver num sítio tão frágil como o mundo.
Linkámo-nos a nós próprios.
CC

terça-feira, novembro 18, 2003

Efémero

Um dos dramas de quem não tem fé é a permanente solidão. Não existindo Deus, não existe aquele apoio a que sempre recorre quem foi agraciado com esse dom (ou graça, não sei bem como se chama). Mas pior do que isso, não havendo fé, a vida não é mais do que uma sucessão de dias que se desenrolam, em permanência, até ao último.
Devo dizer que a ideia de a minha vida não ter nenhum propósito maior não me perturba. Pelo contrário, acho uma certa graça à ideia de que aqui estou como todas as criaturas que conhecemos: para crescer, para me reproduzir e para morrer. Como aconteceu a todos os que vieram antes de mim e como acontecerá a todos os que vierem a seguir. Na realidade, vislumbro uma certa beleza no facto de ser parte de um processo que em muito me (nos) ultrapassa, a evolução das espécies, que faz de mim um ser mais elaborado do que os que me precederam e que me permite contribuir, de alguma forma, para que os que me seguirem o sejam ainda mais.
Sou, por isso e em definitivo, a medida de mim próprio, porque em mim começo e em mim termino.
O resto, como dizia o Francês do último Matrix, são construções do consciente para recusar o efémero da nossa existência.
AR

Bacalhau com grão

Depois do aguaceiro Cunhal, Liberdade, Sacrifícios, Mundo Melhor, Pintasilgo e por aí fora, aguarda-nos hoje à noite um belo Bacalhau com Grão. Acompanhado por um tinto a preceito. Sobremesa ligeira. Finalmente um belo Charuto. A amizade não é a melhor coisa do mundo?
AR

o sentido de tudo isto

Oiço na Antena 1 o meu amigo José Tolentino Mendonça falar, a propósito das cerimónias fúnebres aos soldados italianos mortos em Nassirya (precisamente no local onde os portugueses da GNR estariam se não se tivessem atrasado), sobre o luto nacional italiano e a reflexão que, em Itália, se faz sobre a presença do Ocidente no Iraque.
Em Portugal, pelo contrário, pouco se discute. Durão Barroso, esse mentiroso servil, é um homem de sorte.
CC

segunda-feira, novembro 17, 2003

calor

É bom saber que nos lêem. Obrigado, cafajeste.
CC

salvação e revolução

Meu caro José.
Também penso que o sofrimento individual pode ser lugar de redenção. Nunca o único caminho, mas um dos modos de se chegar a Deus. Mas a boa nova de Jesus é um anúncio de alegria e não de tristeza, de festa e não de dor, de vida e não de luto. Por isso, identifico-me com a Igreja que alivia a dor do homem, que toma suas «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de quantos sofrem» (Gaudium et Spes, 1). E que reconhece «escandalosa a existência das excessivas desigualdades económicas e sociais que ocorrem entre os membros e povos da mesma família humana. São contrárias à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional» (GS, 29). Daí que seja dever e responsabilidade de cada cristão tomar como sua esta mensagem da boa-nova. Pela obras e não apenas pelas palavras. Não concebo uma proximidade de Deus longe da vivência dos homens.
Parafraseando, embora abusivamente, o Tiago, direi que as pessoas que não gostam da pobreza, não querem que inocentes sofram, evitam ver a miséria, arrepiam-se com a injustiça, estão convencidas de que nada têm a ver com esse mundo. A sua humanidade é outra. Outra que desconheço.
Logo, e também para mim, «a responsabilidade individual de cada um de nós não pode nem deve ser diluível na responsabilidade da sociedade perante nós». O homem não é um bom selvagem, mas também não é o lobo do homem. A natureza humana é mais complexa do que os rótulos da ciência política podem fazer crer.
CC

domingo, novembro 16, 2003

everyday is like sunday

Tantos filmes para ver esta semana - e não posso ir contigo.
CC

sábado, novembro 15, 2003

é a política, estúpido

Eu tenho andado caladinho. Primeiro, porque achei que a "política" (custa-me chamar assim às tricas menores de uma amostra de país, mas falta-me outro termo) não valia uma zanga entre amigos de há quase vinte anos. Depois, porque o tempo vai faltando. Finalmente, porque havia um acordo de cavalheiros no sentido de não polemizarmos internamente. Mas o rumo que isto tomou não me deixa outra alternativa. Vamos lá então:
FP25 - Apareceu aqui uma bandeira do dito grupelho a propósito do novo Código do Trabalho. Achei de mau gosto, considerando a existência de vítimas mortais. Levei com uma resposta que falava de "vítimas do capitalismo". Ou seja, continuou o mau gosto mas agora aliado à demagogia. Não querendo agora discutir a validade, ou mesmo a moralidade, de uma "legitimidade revolucionária" que em nome das desigualdades sociais justifique a luta armada, ainda estou para perceber a lógica de abater civis desarmados no meio da rua. Deve ser defeito meu.
Vale do Ave - é normalmente a ladainha que surge a propósito do Código do Trabalho. Que pouca gente leu, aliás, e que constitui no fundo a sistematização (finalmente) de um complexo e contraditório naipe de leis dispersas. Tudo vai ficar sensivelmente na mesma, ou seja, a apadrinhar o desleixo e a mediocridade em nome da "defesa dos trabalhadores". Os demais escribas deste blog lembram-se bem da eficiência dos "trabalhadores" que nos atenderam no balcão do peixe naquela tarde de Sábado, dia 1. Eles são mesmo umas vítimas dos malvados dos patrões, não são?
Cunhal e o PC - esta veio a pretexto do aniversário natalício do senhor, que em bom rigor já não está entre nós há algum tempo. E só me surpreendeu que tantos anos depois ainda incense deste modo as paixões clubísticas... ai perdão, políticas. Vocês estão mesmo a falar a sério? Acham que havia um plano maquiavélico para nos juntar ao Pacto de Varsóvia em 75? E acham, por outro lado, que a "liberdade" que temos hoje é devida à luta do PC contra a "ditadura"? Ó meus amiguinhos, a merda era a mesma em 1910, ou em 1928, ou em 1974. E não mudou nada porque não tinha que mudar, nem Cunhal quis que mudasse. E já agora, ò AR, ainda tens que me explicar como é que a aventesma Pintasilgo contribuiu para a democracia portuguesa...
LR

sexta-feira, novembro 14, 2003

o Partido


Como sabes, eu não sou comunista, AR. Mas já não discuto mais o PCP - pelo menos aqui no blog. Falamos de coisas diferentes: eu falo da fé e do espírito de abnegação e de luta por um ideal superior de comunistas anónimos, que admiro; tu falas da doutrina do aparelho; eu falo de décadas de resistência heróica e de martírio, dos anos 30 até 1974; tu falas de episódios do PREC.
Não há mais nada a discutir.
CC

Ainda as Paredes de Vidro

Ana Rita Guerra teve a amabilidade de nos enviar um email tecendo alguns comentários ao post sobre Álvaro Cunhal, que se encontra um pouco mais abaixo. Reproduzo aqui, com a devida autorização, uma parte desse email.
"[...]Considerar que a democracia em Portugal aconteceu "apesar" de Álvaro Cunhal é algo que me deixa não intrigada, mas estupefacta. [...]" E, indicando a sua identificação com os valores da esquerda, faz referência a colegas de direita que teciam comentários sobre as suas opções políticas e o eventual ataque à  liberdade levada a cabo pelos comunistas: "[...] Pessoas que me chateavam por causa da tal liberdade não admitiam que eu fosse de esquerda.E depois os 48 anos de ditadura foram um pequeno lapso, o apoio dos EUA a Israel é um erro infeliz, a Coreia não representa perigo nenhum, a Arábia Saudita é uma democracia, e lá lá lá. Com todos os erros que foram cometidos no PREC, com todos os excessos de Cunhal, parece-lhe verosí­mil subtraí-lo da luta contra a imitação de fascismo em Portugal? A sério que sim?
A propósito, gostaria de referir o seguinte. Quanto aos colegas de Direita a que faz referência, deixe-me dizer-lhe que me solidarizo completamente consigo. Infelizmente, existe uma direita atrasada e estúpida (admito mesmo que seja a maior parte dela) que, pugnando pela Liberdade, teima em a recusar aos que pensam de maneira diferente. Contra isso, apenas temos como arma o debate livre e informado. Porque não há extremismos, seja de que côr forem, que consigam sobreviver a uma discussão e análise informadas.
Gostaria de lhe dizer, também, que o apoio dos EUA a Israel não é um erro infeliz, antes resulta de uma polí­tica de projecção de poder e de controlo e influência que as sucessivas administrações norte-americanas têm como a melhor polí­tica a seguir em defesa dos seus próprios interesses. Não concordo com ela. E embora também não nutra nenhuma simpatia por Arafat e a política que tem seguido, considero que se vivessemos tempos normais alguns dos actuais líderes israelitas teriam já sido alvo de acusações por crimes contra a Humanidade. A Arábia Saudita não é, seguramente, uma democracia e o perigo que as Coreias colocam uma à  outra é (muito) relativo. Finalmente, ainda nesta linha que enunciou, os 48 anos de ditadura em Portugal não foram, evidentemente, um pequeno lapso mas uma desgraçaa cujas consequências ainda hoje sofremos. Como vê, cara Ana, concordamos em alguma coisa.
Mas não concordamos quanto a Cunhal e ao PCP. E vou-lhe explicar porque é que escrevi o que escrevi. Essencialmente, porque não consigo dissociar Cunhal de um conjunto de memórias do final da minha infância e do iní­cio da minha juventude/adolescência. Sabe, é que os meus pais, que eram funcionários públicos (ele, Engº no então Ministério das Obras Públicas, ela, Professora Primária), tiveram que correr tudo quanto era comí­cio do PCP, UDP, MES, MRPP e por aí­ fora, para serem vistos, de forma a não perderem os empregos com os famigerados saneamentos, frequentes na época e que atingiam todos os que não partilhavam do fervor revolucionário da época. Sabe, é que o programa do Vasco Granja, o Cinema de Animação, deixou de passar desenhos animados ocidentais para passar apenas dos Países de Leste (que más eram aquelas animações húngaras, checas e polacas!) e, esporadicamente, chineses (sempre animação de sombras, se alguém se recorda). Porque Vasco Gonçalves disse em Almada que não havia uma terceira via: ou se estava com a revolução (no caso o PCP e a extrema-esquerda) ou contra a revolução. Porque com sete ou oito anos tinha que estar na fila da leitaria para arranjar 1/2 litro de leite (e a minha mãe, que fingia não o ser, ficava normalmente uns lugares mais à frente para ficar com outro 1/2 litro), porque eramos 4 pessoas em casa das quais duas crianças pequenas. Porque tinha que estar na fila do pão. Porque no Liceu, tive que lutar, mesmo fisicamente (imagine só, com a minha triste figura), porque uma lista afecta à JCP ganhou umas eleições e, com a conivência do Conselho Directivo, quase na totalidade composto por comunistas, não queria fazer outras no ano seguinte.
Podia estar aqui o dia todo a dar-lhe exemplos das minhas memórias. Para mim, Cunhal e estas memórias são perfeitamente indissociáveis. A Ana chamou a isto excessos do PREC. Eu, pelo meu lado, acho que isto era o que nos esperava.
Concordo consigo quando diz que não devemos (podemos) subtraír Cunhal da luta contra o fascismo. Mas a nossa divergência está em que entende que Cunhal lutou contra o Fascismo pela Democracia e eu entendo que Cunhal lutou contra o Fascismo pelo Comunismo. E é no nosso entendimento do comunismo que reside toda a diferença.
Mas deixe-me agradecer-lhe pela oportunidade que nos deu de discutirmos aqui (os três) este assunto, que me aparece importante e, apesar dos ventos tão falhos de convicções ideológicas que sopram, sempre actual, e pedir-lhe que aceite, cara Ana, os protestos da minha mais elevada consideração.
AR

Outono

O(A) autor(a) preferiu o anonimato. Mas veio a autorização para colocar o post ...
AR

"Estavas lá quando virei a esquina, no mesmo sítio onde nos tínhamos separado alguns meses antes. A nossa vida parou, sem dúvida, como se nunca tivéssemos deixado aquela rua, como se, na verdade, nunca nos tivéssemos separado.
Amei-te como nunca tinha amado ninguém, amei-te com um amor carnal, com aquele amor que não permite distâncias, ou afastamentos, nem mesmo breves separações. Passámos dias e dias na cama, falámos de tudo, da vida que nos ligava, do amor, dos sonhos que nunca se realizam.
Depois de satisfeitos, separámo-nos naquela esquina; eu virei à direita, em direcção ao rio, tu viraste à esquerda em direcção ao Rossio. Quando demos os primeiros passos, caíram os primeiros pingos de chuva daquele Outono."

até amanhã, camarada

Partilho com o José a admiração católica pelos comunistas, pela sua honestidade, pela dignidade de homens que lutaram toda uma vida por um ideal que os transcende. Experimento com eles a angústia do silêncio de Deus e, como o José, estou certo que são amados pelo Deus que não reconhecem, mas que abençoa sempre os que têm sede de Justiça.
Respeito e admiro a abnegação do passado de luta comunista por um mundo novo, o sofrimento que os comunistas aceitaram tomar como seu, a vida em clandestinidade no tempo opressor da ditadura, o espírito de missão com que enfrentaram o medo e a adversidade, o sacrifício das suas vidas pessoais e familiares. Venero a coragem com que enfrentaram os perigos, as perseguições que foram vítimas, as prisões, as torturas, as mortes.
Por isso, achei profundamente injusto e ingrato o que o meu amigo AR aqui escreveu sobre Álvaro Cunhal. Devemos ao PCP e à sua luta de décadas a liberdade que hoje usufruímos como povo. Mais. Integra o nosso património colectivo, enquanto nação, a luta dos comunistas pela liberdade contra a opressão, pela democracia contra a ditadura, pela justiça social contra as desigualdades. Em prol dos mais fracos, dos pequenos, dos pobres, dos desprotegidos. Em suma, do bem comum.


Já aqui o disse: é devido à minha formação católica e identificação com a Doutrina Social da Igreja que me revejo nos ideais da Esquerda - na indignação perante a injustiça do mundo, no combate contra as exclusões, na sede de liberdade, de igualdade, de fraternidade. Acredito, ao contrário de AR e da Direita, que o papel da política, de todos nós, cidadãos (e cristãos) empenhados, é o de tentar transformar o mundo. Não apenas de administrar as desigualdades e de resignar-se com a desordem das coisas.
Na fé que procuro alcançar, o Reino de Deus é uma utopia de libertação absoluta, cuja exigência foi paga por Jesus com a morte. A conversão de cada um implica uma radical mudança do modo de pensar e de agir no sentido de Deus, na construção de uma nova ordem, de um novo sentido de vida que responda aos anseios mais profundos do homem. É o credo último que define todos os cristãos: a fé na ressurreição.
Tal como aos comunistas, também aos católicos se exige o impossível: uma vida impoluta, o trabalho sem cansaço, uma fé sem desânimo, a infalibilidade, a perfeição, a santidade. Aos outros, os que aceitam e se calam perante a injustiça do mundo, os calculistas que tiram dividendos das desigualdades sociais, os que se abrigam no conforto da indiferença, tudo é perdoado: no fundo, eles é que são coerentes na sua praxis.
CC

quinta-feira, novembro 13, 2003

nunca máis

Um ano depois do prestígio chegar à Galiza.

CC

Almíscar

Olhou-a nos olhos. Sentiu a brisa do mar acariciar-lhe a face e o cheiro da espuma salgada. As ondas do mar, verdes como os seus olhos, íam e vinham num movimento sem fim que o embalava. Sentiu-se mergulhar naquele mar, perder os sentidos no prazer daquele olhar.
Os olhos dela continuaram nele, mais tristes mas também mais luminosos do que nunca. Sentiu o seu cheiro almiscarado e um arrepio percorreu o seu corpo. Desejou-a sem reservas nem receios. Imaginou-se a beijá-la, a sentir os seus lábios nos dela, a percorrer o seu corpo com gestos suaves. Imaginou-a nua, encostada a si, o calor dela misturando-se com o seu, os seus corpos juntos, movendo-se lenta e ritmadamente, partilhando um momento simultâneamente efémero e eterno.
Quando voltou a tomar consciência de si, os olhos dela já ali não estavam. Mas ficou com ele o cheiro do almíscar.
AR

quarta-feira, novembro 12, 2003

prémio pedro santana lopes

Durão Barroso perguntou aos agentes da GNR de partida para o Iraque se eles já sabiam falar iraquiano.
CC

Mito com paredes de vidro

Eu sei que já passaram alguns dias mas não gostaria de deixar passar a oportunidade para meter a minha "foice" nesta seara.
Vem isto a propósito de mais um aniversário de Álvaro Cunhal.
Não o conhecendo pessoalmente - acredito, portanto, que se trate de pessoa estimável - posso apenas falar do político. E desse não gosto. Lamento, mas não partilho do hábito tão nacional de que quando alguém envelhece ou morre perde os defeitos.
Há dois mitos essenciais acerca de Cunhal.
O primeiro é que Cunhal é um democrata. Não é. Não é um democrata ele nem o partido de que foi secretário-geral durante anos e anos. Pelo contrário. Na senda do estalinismo que nunca abandonou, o PCP é tão democrático como a Coreia do Norte ou Cuba. Ou o Chile de Pinochet, ou o Paquistão de Musharraf, ou por aí fora. Dirão uns que é coerente. É verdade. Mas não vejo vantagem na coerência do erro.
O segundo mito é que Cunhal é um dos pais da Democracia. Também não é. Em Portugal, existe Democracia apesar de Cunhal e não por causa de Cunhal. Existe Democracia em Portugal por causa de Sá Carneiro, Mário Soares, talvez Freitas do Amaral, Amaro da Costa, Almeida Santos, Lurdes Pintasilgo, Mota Pinto, Francisco Balsemão, Salgado Zenha e tantos, tantos outros. Se houve pessoa que se esforçou para que não houvesse democracia em Portugal foi Álvaro Cunhal e o PCP. E embora eu ache que essa guerra estava perdida à partida - pela localização geoestratégica do nosso país - isso não obstou a que Cunhal desse o seu melhor para a vencer.
Por isso, de cada vez que se cantam hossanas a mais um aniversário do antigo líder do PCP, o meu estômago enrola-se e não deixo de pensar em como a memória é curta e em como a história - em cujos livros, infelizmente, Cunhal figurará - é o relato dos que podem e não daquilo que se passou.
AR

terça-feira, novembro 11, 2003

Sopro de vento

Já não lês os poemas que te escrevo.
Luto com eles na minha noite, onde o ruído soa
A nada e ali fica, agarrado, preso
Enquanto o meu pensamento abre as asas e para ti voa.

Vejo como miragem os teus olhos
Verdes. E com eles as ondas do mar
Que vão e vêm, batendo em escolhos
Intransponíveis. Tenho saudades do teu olhar

Que me fazia sonhar.
E do teu sorriso,
Onde me deixava embalar.

Já não lês os poemas que te escrevo,
E a noite é, para mim, de um negro mais negro.
Estou mais só. Tão mais só.
AR

amor urbano

Eu nunca te disse «não tenho tempo».
CC

segunda-feira, novembro 10, 2003

democracia à força

(Não, não estou a referir-me à "libertação" do Iraque).
O novo modelo de democracia consiste em fazer tantas consultas populares quantas as necessárias para que a expressão da vontade popular seja aquela que os proponentes querem que seja - e não outra qualquer.
Agora crescem as movimentações para um novo referendo sobre o aborto. Parece que já não se lembram bem dos resultados do último ou não foram do agrado das cabeças bem-pensantes, modernas e progressistas. Como o povo, manipulado pelas forças retrógradas, obscurantistas e fascistas, votou pelo «Não», há que repetir a dose até que o povo decida o que é correcto: o «Sim».
Caso contrário, volta a tentar-se daqui a uns tempos. Até à vitória do «Sim». Depois acaba-se com isso de perguntar a opinião às pessoas.
CC

grãos de pó

MF põe o dedo na ferida. Pergunta o que nos move. O que nos dá alento para irmos todos os dias para um emprego que detestamos, para fazer um trabalho aborrecido e desinteressante - claro que isto só se aplica a, digamos, 90% da população.
Mas a pergunta vai ainda mais fundo, mesmo se (aparentemente) apenas referente ao mundo do trabalho. É sabido que os autores e responsáveis pela gestão de recursos humanos se dedicam ao estudo minucioso dos factores de motivação dos trabalhadores. Para MF esses factores constam de uma «lista fria e bem generalista na qual se incluem todas as pequenas misérias humanas às quais somos sensíveis: o dinheiro, a segurança, o prestígio, a afectividade, enfim toda uma panóplia de coisas e sentimentos com vista a melhorar a auto-estima de cada um». Eles sabem bem disso, conhecem a natureza humana como ninguém. Reduzem os trabalhadores a recursos, tratam dos problemas comunicacionais e do clima organizacional, transformam-nos em cães de Pavlov.
E nós, peões perdidos, ovelhas sem pastor, sem referências outras que não as dos interesses mesquinhos dos nossos tristes quotidianos, conferimos valor supremo às pequenas atribuições a nosso cargo, inflacionamos a importância do conteúdo funcional que nos coube em sorte e inchamos o ego com os nossos ridículos feitos. Somos muito sérios.
CC

domingo, novembro 09, 2003

paranóia delirante

Descubro que A Quinta Coluna chegou ao Brasil. Não apenas temos leitores fiéis em terras de Sua Majestade Lula da Silva, como também estamos linkados num blog brasileiro. Fico feliz por Eme Efe gostar de nos ler - no fundo, por gostar da forma como nós falamos e escrevemos a língua portuguesa.
A coincidência é que descubro esta ligação quando estou a ler «Onde Andará Dulce Veiga?», um romance de Caio Fernando Abreu, um escritor brasileiro que morreu em 1996, precisamente em Porto Alegre, sede do blog Paranoia Delirante.
Um abraço, meu irmão.
CC
Mais sobre o livro de Caio Fernando Abreu em Aviz.

sábado, novembro 08, 2003

quatro mártires coroados

Os quatro santos coroados sofreram o martírio durante a perseguição de Diocleciano (séc. III). Chamavam-se Severo, Severiano, Carpóforo e Vitorino. Intimados a adorar o deus-Sol, recusaram-se a fazê-lo. Foram chicoteados com cordas cujas extremidades tinham chumbo, até ao desfalecimento. Os seus corpos foram lançados aos cães, que não lhes tocaram. Recolhidos por outros cristãos, foram sepultados na Via Lavicana, nos arredores de Roma, juntamente com os mártires Cláudio, Nicóstrato, Sinforiano, Castor e Simplício, também vítimas da perseguição de Diocleciano.
Hoje, dia 8 de Novembro, são festejados sob o nome de Quatro Coroados, pelo facto de os seus nomes apenas terem sido revelados depois da sua morte.
E hoje, que nomes tem hoje o deus-Sol?
CC

sexta-feira, novembro 07, 2003

welcome to the real world

«Unfortunately, no one can be told what the Matrix is. You have to see it for yourself».
«The Meatrix* is the world that has been pulled over your eyes to blind you from the truth».
CC
*Roubado daqui.

astrologia kármica

Tento carregar a bateria do meu telemóvel. Aparece uma mensagem no visor :«Impossível carregar». Parece que a culpa é do sol.
Logo havia de ter comprado um aparelho com o ascendente vulnerável. Vidas passadas, é o que é...
CC

perda metafísica

Sim, tens razão. Continuo à espera.
Vou continuar à espera.

CC

quinta-feira, novembro 06, 2003

não parar

Recebi hoje uma carta de Luís Filipe Vieira a incentivar-me a votar (nele) nas eleições do Benfica. Diz ele que «o Benfica não pode parar». Visto que as eleições decorreram há quase uma semana, é-me impossível cumprir o solicitado - mesmo que quisesse.
O Benfica pode não parar - mas que está lento, está.
CC

a existência maravilhosa dos nossos companheiros

O companheiro secreto dedica-me esta oração de Clarice Lispector:
«Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar».
Agradeço-lhe, comovido, a sua presença poética na minha vida.
CC

quarta-feira, novembro 05, 2003

a diferença está nas vítimas

A mim também me doem as vítimas da pobreza: 21% de portugueses vivem abaixo do limiar de pobreza, a proporção do rendimento recebida pelos 20% mais ricos da população era, em 1999, 6,4 vezes superior à recebida pelos 20% mais pobres.
Doem-me as vítimas do desemprego: os milhares de desempregados (quase meio milhão) subitamente abandonados como peças obsoletas, lixo humano não reciclável. Sem falar na percentagem de 20,3% de trabalhadores precários em Portugal (não contando com os falsos recibos verdes e o emprego informal). Todos vítimas da crise, claro.
Doem-me as novas vítimas da exploração da mão-de-obra imigrante clandestina, sujeita ao arbítrio total do patronato.
A diferença das vítimas não está (só) nas bolsas de cada qual. E eu sei, LR, que a culpa é desta globalização fragmentada em que vivemos.
A diferença está também nas lutas. Uns lutam pelo amanhã que querem construir, outros pelo passado que querem ver repetido; uns pelo coração da humanidade, outros pelo neoliberalismo; uns pela liberdade, outros por (nos) fazerem escravos.
O capitalismo também se alimenta de sangue.
CC

terça-feira, novembro 04, 2003

onde é que vocês estavam em 93?

O passado fim de semana foi passado por CC, AR e LR em convívio etílico, gastronómico e cibernético longe das respectivas famílias. É uma tradição que cumpre agora dez anos, sempre a Sul do Tejo, e que invariavelmente se inicia com um brinde: «À Liberdade, que é sempre demasiado pouca». Onde é que eu já ouvi isto?
LR

a bandeira

Gosto muito dos meus amigos CC e AR. Também os admiro muito, por razões diferentes para cada um deles. E acho-os, em muitos aspectos, melhores homens que eu. É por isso que me magoou a bandeira das FP25. Não por motivos políticos - nessa matéria, como na religião, Deus permitirá que continuemos a discordar por muitos e bons anos. Até porque aqui para nós acho tão patético o "projecto global" das FP como a "educação da classe operária" do MRPP, o "novo homem português" de Cavaco ou o "diálogo" de Guterres. Já que tenho a fama de ser do contra, deixem-me ficar com o proveito também.
A diferença está nas vítimas. Não posso ficar calado com esta bandeira meia dúzia de posts abaixo. Eu sei que combinámos não polemizar publicamente, mas desta vez não deu. Desculpem.
LR

os meus problemas com Deus




CC

guia

Dou por mim, como um náufrago, a procurar as salvifícas palavras de um irmão recto na razão e firme na fé.
Obrigado.
CC

segunda-feira, novembro 03, 2003

massacre de andorinhas em debate?

A Câmara Municipal de Borba co-organiza mais uma Festa da Vinha e do Vinho. Este ano, a par dos tradicionais espectáculos musicais e dos bons petiscos da região, a Festa conta com um colóquio sobre «os direitos dos Animais e os deveres do Homem», organizado pela colectividade Refúgio - Associação dos Amigos dos Animais de Borba.
Estará em debate o extermínio das andorinhas, levado a cabo pela Autarquia em Agosto passado? Ou serão discutidas as desumanas condições do canil municipal? Parece-me que nem uma coisa nem outra.
CC

gosto desta rapaziada

http://varetafunda.blogspot.com/
LR

domingo, novembro 02, 2003

companheiro

Nasceu um novo companheiro secreto na blogosfera. Parabéns.
CC

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