sexta-feira, outubro 31, 2003

se me pudesses ouvir

O poder ainda puro das tuas mãos
é mesmo agora o que mais me comove
descobrem devagar um destino que passa
e não passa por aqui

à mesa do café trocamos palavras
que trazem harmonias
tantas vezes negadas:
aquilo que nem ao vento sequer segredamos

mas hoje se me puderes ouvir
recomeça, medita numa viagem longa
ou num amor
talvez o mais belo

José Tolentino Mendonça
CC

código do trabalho

Daqui a um mês, a 1 de Dezembro, entra em vigor o Código do Trabalho (Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, já rectificada pela Declaração de Rectificação nº 15/2003, de 28 de Outubro), inspirado na prática patronal institucionalizada na região do Vale do Ave.
Aguarda-se a formação de uma central sindical à altura.













CC

quinta-feira, outubro 30, 2003

mais listas de espera

Esclarecimento: nada tenho em desfavor dos electrodomésticos. Não pode é a casa, o frigorífico, a televisão, substituir a pobreza do substracto afectivo das relações. Por isso é que há tantos divórcios.
Quando se esgota o prazer consumista do recheio da casa, da mudança da casa, das obras de remodelação da casa, da novidade dos filhos, enfim, das listas de espera, o que resta?
E, como bem disse este rapaz, «casar? Abraçar a velha instituição? Ainda percebo os católicos convictos, que querem a benção do Senhor, mas porque diabo procura um agnóstico o contrato fatal? Supostamente, já ninguém se casa, toda a gente vive com toda a gente, abaixo a velha ordem moral, e patati patata. Mas vai-se a ver, e afinal a maioria ainda opta pela solução burguesa, muitas vezes com toda a pompa de um casamento religioso, embora com um funcionário público em vez de um padre. Ou então com padre e tudo, sem que ninguém remotamente acredite que ele é mais do que um funcionário público. Depois vem o que importa: a festarola, os discursos, e mesmo a instituição kitsch por excelência, a «lua de mel» (pausa para gregoriar).
Julgo que grande parte das pessoas se casam por tradição, por conformismo, pela festinha e eventualmente por razões legais ou fiscais. Quase ninguém, em 2003, acredita no casamento, nem os crentes. Além disso, os casamentos duram quinze dias, pelo que é muito mais prudente juntar os trapinhos, e não arranjar trapalhadas.
Sendo um conservador, acabo assim por desaconselhar quase toda a gente a casar, mesmo porque vê-se a milhas que dois terços desses casamentos acabam rapidamente no buraco (nada de ordinarices, please). É por isso que, observador e céptico, vos aconselho: não se ponham a desejar casar. Juntem-se, ajuntem-se, unam-se de facto, mas não dêem a vossa palavra em público quando o público sabe que a vossa palavra não sobrevive
». O público ou vocês - digo eu.
CC

pulhas

Não sei por que razão desapareceu um post meu, de ontem.
Dizia eu que os Net Pulhas multiplicaram-se e estão mais profícuos (e também falam de electrodomésticos).
A redescobrir, portanto.
CC

quarta-feira, outubro 29, 2003

listas de espera















«Quando Adão errava sozinho, Deus inventou o matrimónio. Fez-lhe bem a ele e mal ao demónio»
Pode ser que sim. Mas, nos dias de hoje, o casamento é precedido de solidão, algum enamoramento, muita habituação e pouca reflexão.
Começa-se por comprar uma casa. A localização, a tipologia, o empréstimo bancário, os móveis, a casa de banho de hotel, a cozinha totalmente equipada, os pratinhos, os copinhos, a terrina, a TELEVISÃO. Enfim, a lista de casamento.
A procura da casa, a escolha do recheio, a descoberta de uma infinita panóplia de adereços e a perspectiva de mudança de vida aproximam mais os nubentes do que qualquer outra coisa (se exceptuarmos a deprimente festividade do dia do casamento). Chama-se a isso o projecto de vida em comum. Como isto - a partilha dos electrodomésticos - é demasiado sério, tudo o resto é relegado para o segundo plano.
O importante é o frigorífico. Tem de ser um frigorífico de restaurante. Grandioso e definitivo. Familiar, mesmo que seja apenas para duas pessoas. Imponente na cozinha perfeita.
Uns tempos depois, passada a novidade da casa nova, com a habituação ao espaço do outro, reduzida a influência do frigorífico e sem mais bens essenciais a comprar, o casamento necessita de novo fôlego romântico. É, então, chegada a altura de se adquirir um novo doméstico: um filho.
Parece que já há listas de baptizado.
CC

terça-feira, outubro 28, 2003

crueldade intolerável

Não é o melhor filme dos Coen, ah pois não. Mas os diálogos são de primeiríssima água, goza a doer com os advogados (me magoa que eu gosto...) e tem a Zeta. Ai a Zeta. Ai de nós...
LR

In Memoriam

De tempos a tempos somos confrontados com a inevitabilidade da Morte. Que nos vem lembrar (porque teimamos em esquecer isso) que nada nas nossas vidas é perene, que tudo não passa de um suave bater de asas de uma borboleta. A vida é assim.
A minha Tia morreu. Tinha 88 anos e morreu de cancro, com o qual convivia há já uma série de anos. E estou muito zangado com ela, porque me deixou aqui, mais só, mais pobre, mais triste. Embora tenha a certeza de que ela esperará por mim algures, como sempre fez, para seguirmos, um dia, viagem juntos.
Não voltarei a ir com ela, como fazia quando era garoto e passava o Verão em Coimbra, aos Domingos à tarde a um qualquer café da baixa, beber um copo de leite morno e comer um éclair, ou uma tíbia, ou uma pata de veado, ou outro bolo qualquer que me apetecesse na altura. Nem me voltará a trazer, como quase todos os dias fazia, emprestados (e sempre religiosamente devolvidos) da casa onde trabalhava, os livros do Tio Patinhas, ou do Zé Carioca, ou do Pato Donald, ou as edições do Almanaque Disney, ou os Disneys Especiais, que me entretinham, durante a semana, nas tardes de calor. Não voltarei a chegar a casa dela e a encontrar os bolinhos que sempre comprava quando sabia que eu e o meu irmão lá íamos de férias, nem fará outra vez xarope de cenoura.
A minha Tia morreu. Os compêndios de história não falarão dela, nem mudou, seguramente, o mundo. Era pouco mais do que analfabeta e nunca casou nem teve filhos. Mas ajudou-me a crescer, fez também de mim o homem que sou, e ensinou-me, pelo exemplo, que os valores não se sujeitam aos apetites do momento e que um homem ou uma mulher são o que fazem e não o que dizem.
A minha Tia morreu. Guardo-a comigo. Até breve.
AR

segunda-feira, outubro 27, 2003

se isto não é o povo...

O Benfica é a expressão da nação. O povo benfiquista saudou a presença de Durão Barroso na sua casa nova com uma calorosa e prolongada vaia. Ele fingiu que não ligava mas tropeçou no palanque.
Foi o melhor sinal do novo estádio. Um novo Inferno, uma nova terra.
CC

mais IC 19

Recebemos de MF este mail, que reproduzimos na íntegra:
«Confrange-me que o espírito mais ou menos fértil pretenda poetizar o que não tem rima, som ou beleza metafórica... São coisas de cama psicanalista! Chamemos os ditos pelos nomes! O IC19 não é nenhum percurso ético, é uma via chata, longa, comprida demais para os relógios de ponto e para a ponta que nos tira de a percorrer, seja qual for o mais belo pretexto que nos aguarde no seu terminus. Ou então (resta-me admiti-lo), é da Pulha da Idade (para alguns autores mais ousados "Meretriz"), que já me tolda o espírito romântico e me leva a ser mais fria (que não frígida) no que toca aos embaraços do tráfego...
Creio nos caminhos solitários, faço fé nas "picadas" da minha infância ladeadas de capim e fauna curiosa... mau grado admitir que curiosa é certamente a fauna que circula por aí e também, confesso, no já trágico IC19!
Mas enfim... regozijo-me com a juventude que enfeita o que não tem enfeite, que faz de Lili (a de Caneças ou da Malveira) a Barbie ruiva de seios opulentos...
Quanto a mim, resigno-me à minha sensata mediocridade de ficar enlouquecida com os quase 60 segundos perdidos no sinal vermelho desta Vila...
»
CC

sábado, outubro 25, 2003

girlfriend in a coma

Os intrusos avisaram. Despediram-se ontem e, exactamente à meia-noite, foram-se embora.
Mas porquê?
CC

sexta-feira, outubro 24, 2003

IC19 - Uma via para a Liberdade

Devo começar por dizer que não sou utilizador assíduo do IC19. E quando por lá passo é, em regra, em horas de menor tráfego - embora sempre suficiente para parar aqui ou ali - e, por isso, não tenho tido as experiências metafísicas do meu amigo CC. Mas vou sentindo o que dia após dia ali se passa por relatos de terceiros, o que acho me dá de alguma forma uma imagem da vivência daquela via.
De qualquer das formas não queria deixar de partilhar com quem tiver paciência para me ler algumas reflexões sobre o assunto.
O IC19 parece-me ser, essencialmente, uma via libertadora. E libertadora porque coloca cada um em contacto consigo, com a sua vida, os seus problemas, anseios, dramas. No fundo, coloca cada um com a iminência da sua própria libertação, a cognoscência da verdade ou, como no Zen, a possibilidade de obter o seu satori.
É também uma lição de Liberdade. A liberdade do seu espaço, não partilhado com outros (quando se vai só, evidentemente), da sua individualidade. Mas ao mesmo tempo a sua liberdade limitada, de forma simples mas efectiva, pela liberdade - espaço - dos outros.
O IC19 é, quase, um espaço metafísico. Talvez por isso, e para permitir que cada um se encontre consigo próprio, quem de direito não pareça nada interessado em acabar as obras que por lá correm há anos ...
AR

finalmente uma boa notícia

Vi no gabardina. Um estudo da North Carolina State University comprovou cientificamente o que há muito era do conhecimento comum: as mulheres que pratiquem fellatio com regularidade podem reduzir o risco de cancro da mama até 40%. Notícia completa aqui.
Percebem agora porque gosto da medicina tradicional?
CC

escutas

Quem se está a lixar para o segredo de justiça parece que é o próprio Ministério Público. Ou de onde pensas que saem os elementos que constam do processo (em segredo de justiça, pois claro) para a comunicação social? Quem beneficia com isso?
Não é só o PS que quer ver julgado este caso na praça pública. Também o MP quer salvar a pele. O que andou a fazer o Ministério Público desde 1984, quando o Tal & Qual denunciou o caso da pedofilia na Casa Pia? E como achas que vai acabar o suposto inquérito às fugas de informação que o Ministério Público vai fazer a si próprio?
Mas ainda bem que dizes isso do Ferro Rodrigues, AR. A partir de agora posso transcrever aqui no blog excertos das conversas telefónicas que nós temos. Presumo que não te importas.
CC

quinta-feira, outubro 23, 2003

Ferro e a Retrete

Ferro Rodrigues disse, a propósito do segredo de justiça, que se 'estava a cagar'. Acredito.
Cada um caga-se quando quer e como quer. Ferro Rodrigues, apesar de líder do maior partido da oposição (embora não do melhor, mas isso é outra conversa), tem o direito de se cagar como qualquer cidadão. Embora, como se imagina, não creio que o país esteja particularmente interessado nesse particular aspecto da sua vida. Mas como ele se mostrou empenhado em o anunciar, eu gostaria de tecer alguns comentários a propósito.
Ferro Rodrigues pode-se cagar em muita coisa e em muito lugar mas um dos sítios onde entendo que não o deveria fazer é no segredo de justiça. E não o deveria fazer por duas ordens de razões, que passo a enunciar.
Como líder partidário, Ferro Rodrigues não se devia cagar no segredo de justiça. Alguém com as responsabilidades (???) que ele tem não o deve fazer nos elementos constitutivos do sistema judicial. Acho que não lhe fica bem. Acho que o diminui. Acho indecoroso.
Como cidadão, Ferro Rodrigues não se devia, também, cagar no segredo de justiça. A implementação da figura até pode não ser a melhor, mas garante (pelo menos até um certo ponto) que a investigação de um qualquer caso seja feita de forma calma, livre de pressões e, portanto, tendendo a garantir a mais correcta instrução do processo. Ironicamente, acho que o segredo de justiça (repito, talvez não totalmente como o temos implementado neste momento, mas a figura em si) é um dos garantes dos direitos do indivíduo, na medida em que uma correcta instrução de um processo é o primeiro passo para uma correcta administração da justiça.
Que Ferro se queira cagar é com ele. Mas que o faça numa retrete e, já agora, que alguém puxe o autoclismo quando ele estiver no acto. Pode ser que vá na enxurrada ...
AR

A minha dentista

... é loura e tem uns olhos verdes lindíssimos.
AR

quarta-feira, outubro 22, 2003

o dente umbiguista

Pronto, já está. Mais de uma hora e meia depois de me ter deitado na cadeira da minha dentista (ruiva), e após grande luta com um molar de betão, saio de lá com um dente a menos, uma infecção drenada e a boca dormente de meia dúzia de anestesias.
Estou menos infeliz, agora. Gosto de ser recompensado da minha confiança na medicina (t)radicional. Estou infinitamente grato ao progresso científico que possibilitou o uso fácil e generalizado de anestésicos. Fico grato à minha cultura que permite o exercício da medicina a jovens simpáticas, atenciosas e carinhosas (e ruivas).
Deus deixou que O abandonássemos, mas nós cá nos vamos consolando.
CC

IC 19

Saio tarde do trabalho, perco a última oportunidade que tinha para ver «O Espelho», de Andrei Tarkovsky, no cine-estúdio 222. Já anoiteceu e estou numa fila adormecida no IC 19, para mais de cinquenta minutos de espera.
Fecho as janelas do carro, coloco no leitor o cd «Absolution», dos Muse, aumento o volume e oiço repetidamente a faixa 9, «Blackout». Depois «Time is running out», «The small print», «Thoughts of a dying atheist», novamente «Blackout», «Butterflies and hurricanes», outra vez «Time is running out».
Não tenho pressa. Como habitualmente, não me dirijo a nenhum lugar em especial nem tenho horas de chegar. Passo a gostar de estar no IC 19. Estou a viver um dos melhores momentos da minha vida, sozinho, fechado no carro a ouvir música. «Absolution» rola no tempo como um segredo sempre novo e, subitamente, não há amanhã.
O IC 19 proporciona-me momentos intensos como este. Relativiza o espaço e o tempo. Agradeço ao governo a sua inércia.
CC

blackout

Ouvir Blackout pode ser uma experiência religiosa. É a nona sinfonia de «Absolution», o último álbum dos Muse.
«this love's too good to last
and I'm too old to dream
»
CC








terça-feira, outubro 21, 2003

conversa de café

Claro, morremos para sempre.
A vida, então, é em grande parte uma coisa
De acontecer gostar-se, não ter de.

E isso, também, claro, porque é que
Acontece eu gostar de arbustos vermelhos,
Relva cinzenta e céu cinzento-esverdeado?

Que mais resta? Mas vermelho,
Cinzento, verde, porquê essas de entre todas?
Isso não é o que eu disse:

Não essas de entre todas. Mas essas.
Gosta-se do que acontece gostar-se.
Gosta-se do modo como o vermelho cresce.

Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar-se é um
Dos modos como as coisas acontecem calhar.

Wallace Stevens
CC

bem diz o barnabé

«Perguntem a quem sabe.
O partido suíço de extrema-direita, a União Democrática do Centro (note-se o eufemismo), ganhou as eleições, defendendo políticas de imigração restritivas. Os emigrantes portugueses estão preocupados. Perguntem ao ministro de Estado do seu país o que irá acontecer. Ele pode lhes explicar melhor do que ninguém o que os espera
».
CC

segunda-feira, outubro 20, 2003

é sempre tempo

Passou-me a data, entretido que estava com minudências e futilidades várias, mas, no passado dia 25 de Setembro, poder-se-ia ter celebrado o 100º aniversário do nascimento de Mark Rothko.
CC




























Partida

Pressinto-te partir.
Os teus olhos tornam-se vagos
E o seu verde, a sorrir,
já não o faz para mim.

As tuas palavras chegam-me sem sentido,
Meras repetições de outras, muitas,
Que ouço aqui e ali, como um dado
Adquirido que soa, trágico, no ouvido.

Quero saber porque partes,
Porque deslizas da sombra da minha vida
Para outra. Com que artes

Te vais, assim, com um sorriso
E nem me dizes adeus, apenas partes
Como vento soprando.
AR

do maior realizador de cinema de sempre

Ofereci-me este livro.
CC














onde é que já vi isto?

Foi na Madeira. Aliás, está a ser na Madeira, há mais de vinte anos. De modo a não estorvar a bela governação do PSD, o PS entretém-se regularmente a dar tiros no pé.
É isto a solidariedade, pá.
CC

sexta-feira, outubro 17, 2003

mudam-se os tempos

Dantes, quando os trabalhadores eram despedidos, o povo preocupava-se.
Agora, quando os colaboradores são dispensados, a sociedade civil não se interessa.
CC

quinta-feira, outubro 16, 2003

parabéns, João Paulo

O meu amigo João Paulo completa hoje 25 anos. A mãe, católica devota, chamou-lhe João Paulo em homenagem ao recém eleito Papa.
Parabéns aos dois.
CC

a dança das cadeiras parte II

Quero retratar-me publicamente. O meu post de ontem é injusto. Os ministros Arnaut e Ferreira Leite têm a perna longa e por isso estão em vantagem.
LR

quarta-feira, outubro 15, 2003

a dança das cadeiras

Em dois anos de governo Durão, tivemos quatro demissões de ministros. Dá uma média de seis meses por cada cabeça que rolou. Olvidemos por ora os motivos e a justeza das demissões em causa, e pensemos no seguinte: o principal factor de perturbação que estas demissões causam é a incerteza.
Os agentes económicos, as forças sociais, a população em geral, precisam de estabilidade. Em nome deste sacrossanto princípio, ocorreu-me o seguinte: porque não agendar, periodicamente e com data marcada, a demissão de um ministro. Poderia até ser de seis em seis meses, para manter a tradição.
Quando à escolha do feliz contemplado, parece-me justa e adequada a dança das cadeiras. Isto é, os ministros correm à volta das cadeiras (sendo que tem de haver menos uma que o número de ministros) enquanto a música tocar, e quando esta pára todos se sentam. O que ficar de pé é demitido.
LR

terça-feira, outubro 14, 2003

dogville

Dogville é um filme católico. Eu, como ando em busca da fé perdida, gosto muito de filmes católicos. Como os do Scorsese ou mesmo o último do Spike Lee.
Também gosto muito dos filmes que nos falam da complexidade da natureza humana. Como os do Lars von Trier. E este é o melhor dos filmes de Lars von Trier.
Além disso, a Nicole Kidman é a actriz da minha vida.
Que mais posso pedir a um filme?
CC

o norte

A capital da blogosfera parece a Suécia: com o Outono chega a depressão e o suicídio.
CC

as instituições já funcionam outra vez

É preciso ter lata.
CC

segunda-feira, outubro 13, 2003

and the winner is...

Mas, colegas, o mais fantástico de todos os ex-MRPP's é o nosso primeiro-ministro: é o único que conhece as provas secretas da existência de armas de destruição massiva do Iraque (e continua sem lavar o cabelo).
CC

olhe que não, olhe que não

Ó António, estás enganado. O nosso Presidente nunca foi do MRPP. Foi do MES, que era uma espécie de MRPP envergonhado mas em que pelo menos lavavam o cabelo.
LR

MRPP e Harry Potter

Por acaso, agora que falamos em MRPP e Harry Potter ...
Eu acho que existem muitas semelhanças entre as histórias de Harry Potter e o MRPP. Primeiro, nenhuma das coisas existe. Quer dizer, as histórias de Harry Potter são isso mesmo: histórias, fantasias para agradar a miúdos e graúdos. Ora, o MRPP também não existe nem existiu: era assim uma espécie de fábula que agradava mais a graúdos do que a miúdos. Depois, nas histórias de Harry Potter eles andam para lá vestidos com as fardas do colégio. No MRPP o desejo secreto era andarem todos com aquelas roupinhas verdes e chapéu mole na cabeça, de preferência com uma estrelinha vermelha próxima da testa. Aliás, muito estilo 'cicatriz' do Harry Potter. Depois, alguns dos personagens do MRPP são como os das histórias de Hogwarts: não existem. Por exemplo, esta senhora com ar desdentado que está no PS e que está sempre aos berros sobre tudo e sobre nada é mais ou menos o estilo da professora de ervas ou lá o que é. Também o Camarada Garcia Pereira é como o vigilante de Hogwarts: anda sempre escondido pelas esquinas e salta ao caminho de quem passa, a vociferar ameaças estranhíssimas que depois nunca são concretizadas e de quem toda a gente se ri. Temos o Dr. Durão, que, como o professor de artes ocultas, está sempre à rasca para apanhar os demoniozinhos que solta, e que se entretinha a levar sofás de um lado para o outro. E também há o Dr. Sampaio, uma espécie de Dumbledore que chegou à Presidência da República como o outro a Director do Colégio. Há ainda essa inconfundível personagem que atende pelo nome de Severus Snape, que queria mas não foi muito longe, mas que se vê como o melhor professor de Hogwarts, assim à imagem desse grande educador da classe operária, o inesquecível Arnaldo Matos!
Por favor, acham que isto existe?
AR

ainda o MRPP

A polémica ameaça alastrar para o interior deste blog. E da mesma forma que a Choldra e o Maranhão se desentenderam sem necessidade, igual equívoco se está a gerar aqui. Eu quando disse que o Pedro tinha razão, não me estava a referir à polémica - que aliás os próprios a seu tempo encerraram.
Estava a referir-me ao post sobre a Sr.a Dr.a Ana Gomes. Entendido?
Mas já agora aproveito a onda. Dessa trupe maoísta-em-75, e oportunista-a-todo-o-tempo, a dita senhora nem é a pior. Esse título cabe, não ao patético José Manuel Fernandes (o homem da lagrimita quando os americanos entraram em Bagdad), mas ao Senhor Professor João Carlos Espada.
Não tem escrito, felizmente, no Expresso. Mas quando o fazia era para tecer loas ao modelo social/jurídico/político anglo-saxão. Mais ou menos como quem diz: se tivéssemos uma Câmara dos Lordes todos os nossos problemas, que só existem porque somos jacobinos pouco esclarecidos, se resolveriam.
A opinião em si vale o que vale. O que me irrita é antes a necessidade de encontrar um "modelo universal", que por acaso já não é maoísta mas britânico-americano. Já lhe ocorreu, Senhor Professor, que se calhar não há soluções mágicas para os problemas do mundo? E muito menos necessidade de as importar?
O auge do ridículo foi o elogio ao Harry Potter, centrado em dois pressupostos: que a educação dos colégios britânicos tradicionais, com direito a uniforme, era mais apelativa para os miúdos (eu se pudesse voar na escola, também preferia aquela), e que a autora representava a vitória de uma literatura comercial sobre os escritores de esquerda subsídio-dependentes (segundo o Senhor Professor). Azar. É que o primeiro Harry Potter foi escrito usufruindo de uma bolsa da Câmara de Glasgow para jovens escritores...
LR

da razão

(A propósito da "polémica" entre a Choldra e o Maranhão)
Claro que tens razão, Pedro.
Como dizia o Descartes, todos temos razão. Só que alguns não a sabem usar.
CC

umbigo

Faz hoje 2 meses que instalámos o contador nesta Coluna e temos 4.500 visitas. É mais ou menos o que este gajo tem por dia.
CC

Ausência

Uma amiga minha, que insiste em se envergonhar e, por isso, pretender o anonimato, deu-me autorização, depois de insistência, para 'publicar' um texto da sua autoria. Segue.
AR

«O meu corpo está cansado da tua ausência. Já não sabe se é a noite que sucede ao dia ou o dia que sucede à noite. As minhas mãos estão cansadas de viver, de esperar sempre pelo regresso.
O meu corpo está cansado de palavras, quer falar antes com a força do erotismo, quando é o corpo que se move para responder ao teu. Quando, no fim, se encontram, os olhos não vêem senão com a luz do desejo, a boca sente que não há nada a dizer, está tudo dito, há que agir agora.
E então, começa pelo cheiro, e depois com a proximidade vem aquela sensação de calor, e o coração bate mais depressa e o calor aumenta e quando por fim te toco, já não é a pele que sinto, são todos os sentidos num só. Como se não houvesse mais mundo além daquele momento, como se nada mais tivesse importância.

Amas-me, sem dúvida, mas não é isso que o teu corpo diz; o teu corpo diz que me quer, que me deseja, que é no meu corpo que se esgota e se encontra de novo.

E para que a vida continue para os dois, o calor do meu corpo percorre a distância que o separa do teu e, tocando ao de leve, diz-te que é hora de se encontrarem de novo».

e não se pode exterminá-los?

O MRPP ganhou a revolução e ninguém nos disse nada. O pior agora é termos de os aturar. A "ela" especialmente... tens toda a razão Pedro!
LR

domingo, outubro 12, 2003

Jasmim

Ele olhou o corpo dela, vagamente moreno. Cheirava a jasmim. Aspirou longamente o seu aroma morno e, por fim, tocou-lhe suavemente a pele. Os seios dela subiam e desciam, compassadamente, ao ritmo do sono, enquanto a sua pele o chamava, insistente. Inclinou-se e os seus lábios tocaram suavemente os dela. O seu contacto fê-lo recuar ao dia em que primeiro se haviam amado. Em que ele sentira pela primeira vez o aroma a jasmim, em que a sua boca lhe havia percorrido, insistente, o corpo, em que se haviam abraçado e sido um só. Amaram-se uma hora, uma noite, uma vida. Amaram-se naquele primeiro quarto, na praia banhados pelo mar, no cume gelado de uma montanha. E o extase perdurara, indefinidamente, enquanto eras incontáveis corriam, céleres, sob os seus corpos.
O cheiro a jasmim era agora mais intenso. Olhou novamente para ela e deitou-se a seu lado. Uma vida seria pouco tempo.
AR

o país possível

Assisti, entre o divertido e o incomodado, à polémica entre a Choldra e o Maranhão. Tenho a minha opinião sobre quem teve razão, em termos de lógica e cortesia, mas isso agora não interessa nada. Parece-me sobretudo relevante constatar que a polémica se prendeu com a orientação política de certas Câmaras Municipais, e en passant com as virtudes das terras em causa.
A comparação de localidades, e inerente discussão sobre a "esquerda" e "direita" em termos dos respectivos executivos, sempre me pareceu sintoma de dois traços característicos do indígena portuga: o bairrismo e a clubite. Do primeiro nem falo, o segundo merece-me uma reflexão. Para além dos aspectos meramente folclóricos (gostar ou não de tourada, frequentar o Bairro Alto ou a Kapital), a nota dominante desde meados de Oitocentos é grosso modo a seguinte: quem tem "alguma coisinha de seu" é de direita, os outros mais miseráveis vão oscilando conforme lhes convém.
A verdade é só uma: o país sempre foi uma gigantesca repartição (até os Descobrimentos eram do Estado, caramba!), incapaz de produzir para fazer face às suas próprias necessidades, e ferozmente perseguidor de quem se atrever a revelar livre iniciativa. E as Câmaras são o mais vivo exemplo, vendo o pequeno e médio empresário como a galinha dos ovos de ouro. Ele são taxas, alvarás, fiscalizações, e o resto que se sabe. Sem excepções de cor política.
LR

quando os amanhãs cantavam

Recomendo "Goodbye Lenin!". Para quem não saiba, é a história de uma família da ex-RDA em que a mãe entra em coma, e ao acordar não pode sofrer qualquer choque sob risco de novo colapso e eventual morte. O problema é que entretanto aconteceram umas coisitas menores, como a queda do Muro, e torna-se necessário ficcionar (nos aspectos mais corriqueiros, como sejam os produtos de supermercado) que ainda existe uma RDA e um bloco de Leste. Divertido quando podia ser moralista, humano quando arriscava ser simbolista - a não perder (está no Monumental, El Corte Ingles e Mundial).
LR

sábado, outubro 11, 2003

sida

O canhoto J diverte-se muito com a Igreja Católica. É bom saber que as opiniões da Igreja, ainda que influenciem poucos, têm a virtude de divertir outros. Já não se perde tudo.
Desta vez o pretexto é o aviso de responsáveis eclesiásticos sobre a relativa fiabilidade dos preservativos e o consequente risco que o seu uso ainda envolve na propagação de doenças como a sida.
Depois de comentários engraçados (sim, os canhotos são inteligentes e têm sentido de humor) sobre a questão, e depois de alertados por este nosso humilde blog, lá esclareceu que, na verdade, o correcto uso do preservativo é apenas o 4º (e último) método mais eficaz na luta contra a sida, assim reconhecido pela Agência de Combate à Sida da ONU, a seguir à abstinência (em 1º), às relações monogâmicas (a Igreja chama a isto, "castidade", uma palavra em desuso) com um parceiro não infectado (em 2º) e ao sexo sem penetração (em 3º lugar).
E isto porque, como reconhecem as autoridades na matéria, o preservativo tem apenas 80% de eficácia.
Mas esta preocupação com a «atitude criminosa da Igreja» levanta outra questão.
Não compreendo como poderia a Igreja ter outro discurso sobre o assunto. Se, em questões de natureza moral, como são as da sexualidade, a Igreja se dirige, antes de mais aos católicos, não se vê como poderia subordinar a sua doutrina (que defende a abstinência fora do matrimónio e a castidade na constância do mesmo) à moda do uso do preservativo.
Ora, será que quem não quer ou não consegue seguir os conselhos da Igreja nestas questões vai deixar de usar o preservativo nas suas relações ilícitas (aos olhos da Igreja), apenas porque o Papa ou o padre local assim o diz?
Será mais errado, sob o ponto de vista moral, um católico (e já nem falo dos não católicos, por razões óbvias) não usar o preservativo nas suas relações sexuais antes ou fora do casamento, com mais que um parceiro ou outras variantes próprias do adultério, ou a própria existência dessas relações?
Ou seja, querem nos dizer que sida se propaga porque quem não obedece aos preceitos sexuais da Igreja se recusa a usar o preservativo por medo da Igreja? Estão a falar a sério?
CC

sexta-feira, outubro 10, 2003

Quaresma

Ainda a propósito do filme Quaresma, do qual fui um dos 37,58 espectadores que assistiram ao mesmo até ao fim sem adormecer, não resisto a publicar a crítica do «Inimigo Público». Os restantes 36,58 espectadores vão apreciar. Aqui vai, com a devida vénia:
«"Quaresma" fez renascer o católico que há em mim; recordou-me a importância do sacrifício, da penitência, do purgatório, do sofrimento, do calvário... É fácil imaginar o padre do Bibi a dizer-lhe, depois da confissão: "Não, meu filho, não te safas só com seiscentos "Pai-Nossos" e duas mil "Avé-Marias"; não - vais mesmo ter de ver o "Quaresma".
O filme começa num velório e essa é a parte menos deprimente. Os actores, de Filipe Cary a Ricardo Aibéo, parecem estar sob o efeito de uma dose cavalar de barbitúricos. Carlos Carvalhas a falar do futuro consegue ser muito mais animado. A única excepção é Beatriz Batarda, que alterna os olhares assustados com os risinhos nervosos; duas reacções perfeitamente compreensíveis em qualquer actriz que tenha de entrar num filme destes.
David é um jovem engenheiro que regressa à casa da família para assistir ao funeral do avô. O rapaz tem uma característica curiosa: de cada vez que adormece numa sala, as pessoas ao seu redor começam a fornicar. No velório David reencontra Ana, a mulher do primo industrial, que é maluquinha e anda sempre descalça. Passeiam pela serra da Estrela, apanham vento, assistem ao assassinato de um primo que está vestido de mulher - enfim, o habitual.
Não tenho bem a certeza se os dois se apaixonam porque adormeci nessa parte e quando voltei a acordar já David estava na Dinamarca a estudar a energia do vento. A mulher e a filha estão com ele, e os três levam uma vida ligeiramente menos excitante do que um discurso do Jorge Sampaio. Ora, quem é que David se lembra de convidar para ir tomar conta da filha de ano e meio: obviamente, de Ana que é maluquinha e anda sempre descalça. Depois não acontece grande coisa (antes também não) e no fim Ana regressa a Portugal com o marido (...)».
Em exibição, num cinema não demasiado longe de si.
CC

Lágrimas

Sigo as lágrimas que caem
De teus olhos. São transparentes,
Puras, limpas. Surgem
Infindas. Comos são brilhantes!

Deslizam-te pela face, imparáveis,
Velozes mas serenas. Como gostaria de lhes tocar
E dizer que chega. Que tem que chegar.
Não as vertas mais.

As tuas lágrimas guiam-me.
Misturo as minhas com elas.
A serenidade dos teus olhos

É um farol nas minhas noites.
E quando os não vejo penso
Nas tuas lágrimas e adormeço.
AR

home cinema

Ontem fui ao cinema, ao fim da tarde. Fui ver um filme português, Quaresma, do qual não me apetece aqui falar. A questão é que fui ao Fonte Nova, à sessão das 19:40 h. e fui o único espectador. Isso mesmo. Estava sozinho na sala. Sozinho na sala. Sozinho.
CC

quinta-feira, outubro 09, 2003

problemas

Os bloguistas regionais andam com problemas: o poolman parece sofrer de mal de amores que, como se sabe, é uma espécie de dor de dentes da alma.
O coruche padece de esquizofrenia: já mudou de nome duas vezes. Agora chama-se (a ele próprio) Sorraia. Por enquanto.
Um abraço a ambos.
(Ou melhor, um para cada um. Melhor ainda: um para o poolman e três para o Sorraia. Ou será NG? Ou Sepúlveda?)
CC

Pétala Azul

Procuro a pétala da flor azul.
A última. Será sem dúvida
A última. E mesmo se dela existe dúvida,
Não quero deixar de procurar a pétala da flor azul.

Como procuro a pétala da flor azul!
Percorro os caminhos do mundo
E mesmo não sendo corredor de fundo
Não deixo de perseguir a pétala da flor azul.

Nunca a vi.
Não sei se tem aroma
Ou se o seu toque é suave.

Mas persigo-a porque me sorri,
Porque não quero estar nesta redoma
De doces venenos. Doces. Doces.
AR

Cooperação

Axelrod escreveu há uns anos um livro interessantíssimo intitulado “The Evolution of Cooperation”. Aí Axelrod explicava que os actores, num determinado cenário, tendem a cooperar uns com os outros se souberem que existe a hipótese de interagirem uns com os outros mais do que uma vez. Ou seja, se dois actores interagirem e souberem que não o voltarão a fazer tenderão menos a cooperar do que se tiverem a percepção contrária.
Posto isto, e para o raciocínio que se segue assentemos nesta base: os actores A e B cooperam entre si e cada um obtém uma compensação numérica de 3; os mesmos actores não cooperam e cada um obtém uma compensação numérica de 1; dos mesmos actores A coopera e B não – agindo de forma oportunista - , B obtém uma compensação numérica de 5 enquanto A obtém 0.
Daqui resulta que se os actores agirem de forma oportunista nas suas interacções com outros que cooperem maximizam os seus ganhos. Se os seus interlocutores também não cooperarem então os ganhos serão equivalentes a 1 para ambos. Pode-se concluir, assim, que em interacções esporádicas, não cooperar é mais vantajoso do que cooperar.
Os resultados alteram-se quando o cenário muda: quando as interacções não são esporádicas. Aí, a não cooperação dar-lhe-á vantagem numa primeira interacção mas numa segunda não haverá cooperação, enquanto que os que cooperam entre si desde o início tenderão a cooperar no futuro. Daqui resulta que, a prazo, os oportunistas tenderão a ser ultrapassados pelos que cooperam. Exemplifiquemos: A coopera na primeira interacção e manterá com o seu interlocutor, nas interacções seguintes, o que aquele fizer na primeira; B age da mesma forma que A; C não coopera. Assim, nas primeiras interacções entre eles os resultados serão: A e B = 3 para cada, A e C = 5 para C e 0 para A, B e C = 5 para C e 0 para B. C surge destacadamente à frente, com 10, enquanto A e B surgem com 3. No entanto, numa segunda interacção, os resultados serão: A e B = 3 para cada, A e C = 1 para cada, B e C = 1 para cada. Temos então que A e B conseguiram nesta interacção 4 enquanto C conseguiu apenas 2, com acumulados de A = 7, B = 7 e C = 12. É claro que com a continuação das interacções, A e B ultrapassarão C. Conclui-se, portanto, que num ambiente em que a interacção seja possível mais do que uma vez a cooperação entre os sujeitos é mais produtiva do que as acções oportunistas.
Evidentemente, que este cenário pode ser alterado significativamente no número dos que cooperam e dos que não o fazem. Mas os resultados apresentados por Axelrod apontam para um predomínio no médio/longo prazo para os cooperadores num ambiente em que não sejam mais do que 4% ou 5% do total.
Passemos agora da teoria para a prática.
O Sistema Internacional é um sistema razoavelmente fechado, no sentido em que o número de actores estaduais é finito, sendo razoavelmente grande a possibilidade não só de interagirem entre si mas de o fazerem de forma continuada. Os Estados com comportamentos oportunistas tendem a ser “conhecidos” e a levar a cabo poucas interacções com outros Estados. Por seu turno, as interacções entre os que procuram cooperar tendem a ser proveitosas e a prolongarem-se no tempo. O exemplo da União Europeia é claro quanto às vantagens da cooperação. Outros casos, como o do MERCOSUL, embora este numa fase menos avançada do que a da Europa, podem ser apontados como apresentando as vantagens da cooperação.
Mas os comportamentos que consubstanciam um abuso de posição são também comportamentos oportunistas. E como tal tendem a ser tratados pelos outros Estados do sistema. A situação actual dos Estados Unidos consubstancia um comportamento oportunista por abuso de posição, embora possa ser justificado em termos de análise realista.
Vem isto a propósito da actual situação no Iraque. Tendo acompanhado com alguma atenção e interesse as “nuances” da posição de Washington nas últimas semanas, constato que de uma posição “ONU para apoio humanitário” se passou para uma posição “ONU para acompanhar a transição e organizar eleições e um processo constitucional”. De uma posição “Só nós e alguns poucos” passou-se para uma posição de “a comunidade internacional deve colaborar na reconstrução e pacificação do Iraque”. Mas também tenho reparado na firme relutância dessa mesma Comunidade Internacional em se meter no “vespeiro” que é o Iraque e da ONU em participar activamente no processo, ficando com o fardo mas não tirando o proveito.
Aliás, a posição de “oportunismo” da actual administração norte-americana não se resume ao Iraque. Vem de Quioto, do processo de paz no Médio Oriente, das relações difíceis com os aliados europeus, de ... de ... .
Parece agora que o número de actores com quem interagir se vai restringindo. Se calhar Axelrod tinha razão...
AR

os presos políticos

Há uns anos, no Funchal, B., um rapaz de 16 anos, morador no Bairro da Palmeira, em Câmara de Lobos, foi detido pela prática de roubo e ofensas corporais a um cidadão finlandês.
Apesar da idade, da manifesta inexistência de perigo de fuga ou de perturbação do inquérito ou de continuação da actividade criminosa, B. foi sujeito à medida de coacção mais gravosa da ordem penal portuguesa: a prisão preventiva. Reclamada esta decisão, embora sem recurso a pareceres jurídicos de professores de direito penal (que são caros), foi mantida a medida de coacção até ao julgamento.
Em sede de julgamento, uns meses depois, apurou-se que o referido cidadão finlandês era um turista em busca de relações sexuais com os famosos «miúdos das caixinhas» e que a desordem, que culminou na agressão daquele senhor, apenas se gerou por discordância quanto ao preço a pagar pelo serviço. Aliás, este apenas apresentou queixa na Polícia porque, durante a discussão, perdeu os óculos, sem os quais mal via. Nem se queixou do dinheiro roubado ou de agressões.
Tudo isto foi provado em tribunal pelas restantes testemunhas arroladas pelo Ministério Público: outros adolescentes (embora com menos de 16 anos), que confirmaram o negócio. O finlandês nem sequer compareceu, é claro.
B. foi libertado, embora tenha sido condenado a prestar serviço à comunidade durante seis meses.
Nessa altura, não houve jornalistas a entrevistar B., os meios políticos não exultaram porque tinha sido feita justiça e B. não foi recebido no parlamento regional como um preso político, vítima dos defeitos do Estado de Direito.
Nem o Tribunal, nem o Ministério Público, nem a Polícia, nem os jornalistas acharam por bem investigar, indiciar ou acusar o finlandês. Afinal, era um turista e a Madeira vive do turismo. Nesse tempo, na Madeira, o abuso sexual de menores não era um crime horrendo.
CC

quarta-feira, outubro 08, 2003

elementar, meus caros

"The Adventures of Sherlock Holmes" foi editado em DVD, numa caixa com seis discos e treze episódios. Corresponde à primeira das séries da BBC realizadas a partir de 1984, com Jeremy Brett no papel principal. A edição é tecnicamente fraquinha, mas a matéria-prima vale o investimento. Quem viu esta série na altura, ou a conhecer agora, não imagina outro actor como Sherlock. A grande diferença, quase vinte anos depois, é que estes episódios passavam em horário nobre na RTP (à sexta-feira, se a memória não me falha). Hoje, quando desliguei o DVD, estava o Roberto Leal num dueto com o Vitorino na 1, e o Big Brother na 4. Tive, uma vez mais, tantas saudades dos anos 80...
LR

terça-feira, outubro 07, 2003

silêncio

É noite em mim.
Regresso quando amanhecer.
CC

segunda-feira, outubro 06, 2003

Outono

O meu Outono está a chegar.
Sinto as folhas tombando
E o vento, insistente, a soprar
Mais forte, duro, zombando.

O meu Outono está a chegar.
Sinto o frio. A primeira chuva
Leve, miúda, começa a caír
De um cinzento negro que os dias me turva.

Como não vos queria ver
Folhas mortas, que me sorriem
Em esgares de morte e dor.

Como não queria sentir
O beijo suave da chuva,
Alerta do Inverno por vir.
AR

absolution

«Absolution», dos britânicos Muse, é o melhor álbum de 2003. Este facto é tanto mais notável se pensarmos que este ano os deuses também editaram um disco.
«Absolution» confirma os Muse como uma das bandas mais inteligentes e criativas da actualidade. Canções como «Time is Running Out», «Sing for Absolution», «Stockolm Syndrome», «Endlessly» e «Thoughts of a Dying Atheist» são das mais belas e fortes que se fizeram nos últimos tempos.
«Your time is now».
CC

Mais andorinhas

Gosto muito das andorinhas. Normalmente anunciam a Primavera - digo normalmente porque as estações andam de tal maneira que às vezes não sabemos em que estação estamos, mas enfim - o que significa dias maiores, mais sol, tempo mais quente.
Mas neste 'blog' as andorinhas têm um lugar especial. Porque se sabe o que lhes aconteceu (ou aos seus ninhos) em Borba e as consequências (aparentemente) disso.
Ora, dizia eu, que gosto muito de andorinhas e elas, por vezes, conversam comigo. E às vezes contam-me coisas engraçadas. Por exemplo, disseram-me que, já lá vai algum tempo (mas não muito), foram feitas obras na capital do país para erradicar um bairro muito feio, que ficava numa encosta muito abrupta, e onde se fazia muito negócio com um pó muito branco. Para espanto geral, a edilidade local, que por acaso está cheia de fiscais, achou por bem que devia contratar uma empresa de fiscalização para fiscalizar as tais obras. E, pasme-se, alguns dos fiscais dessa empresa, também eram fiscais da edilidade, que enquanto funcionários da edilidade não tinham tempo para fiscalizar a obra mas que já tinham tempo para o fazer enquanto funcionários da tal empresa.
Aquilo que as andorinhas nos contam ...
AR

sexta-feira, outubro 03, 2003

teatro

Pedem-me que entre numa pequena peça teatral. Logo a mim, que tenho horror a encenações públicas do meu triste corpo.
Para além disso, só uma personagem me atrai ao ponto de a representar num palco: Godot.
CC

quinta-feira, outubro 02, 2003

religião & política

A minha consciência política despertou quando eu descobria os textos da Doutrina Social da Igreja - em que me revejo.
É esta a razão pela qual não consigo ser de direita.
CC

Coetzee

O último livro que comprei, «Desgraça», é do nóvel nobel.
CC

da dignidade

«O Papa está a fazer uma coisa muito difícil, em que o “corpo é que paga”. Está a morrer diante de nós, depois de envelhecer diante de nós, restituindo a uma parte da vida, que escondemos em lares sórdidos para nosso conforto, uma dignidade essencial. É uma opção que muitos não compreenderam, porque têm o culto da juventude e da eficácia, da energia e da vitalidade, e não perceberam a última lucidez deste homem – a de nos devolver a integridade da vida toda».
in abrupto.
CC

Vitória

O Guerreiro erguia-se orgulhoso sobre a pilha de despojos. O sol acariciava-lhe o rosto moreno e dizia-lhe ao ouvido que era o vencedor. O imenso campo de batalha, onde antes dois exércitos se tinham defrontado, estava agora pejado de corpos. Os corpos dos seus inimigos. Derrotara-os. Hoje como antes. Não paravam de surgir, uns após outros, parecendo saír de debaixo das pedras, de trás das ervas mais insignificantes, das águas mais revoltas. Mas derrotava-os sempre. A sua vontade impunha-se-lhes como a sua espada se impunha no campo de batalha.
O Guerreiro erguia-se orgulhoso sobre a pilha de despojos. Os sobreviventes do exército inimigo desfilavam à sua frente, escravos de uma nova vontade, de uma nova força. Restos escanzelados de homens outrora orgulhosos e fortes. Sombras de homens, apenas. Prestavam-lhe homenagem, a ele, que era agora senhor do que fora deles. A sua vontade era a mais forte.
O Guerreiro erguia-se orgulhoso sobre a pilha de despojos. E enquanto o Sol lhe acariciava o rosto, o velho aproximou-se dele e fixou os seus olhos claros nos dele, que lhe diziam:'Ganhei'. Acenou afirmativamente. 'É verdade', disse-lhe. 'Ganhaste. Ganhaste o choro das viúvas, Guerreiro. Ganhaste os gritos dos órfãos. Ganhaste as pilhas de corpos de homens que já não servirão nada nem ninguém.' E afastou-se, enquanto o Guerreiro se erguia orgulhoso sobre a pilha de despojos.
AR

quarta-feira, outubro 01, 2003

Imperdível II

"Hamm - Abre a janela.
Clov - Para quê?
Hamm - Quero ouvir o mar.
Clov - Não o ouvirás.
Hamm - Mesmo que abrisses a janela?
Clov - Não.
Hamm - Então não vale a pena abri-la?
Clov - Não.
Hamm (violentamente) - Então, abre-a! (...)"
in "Fim de Partida", Samuel Beckett, Ed. Diário de Notícias
AR

eu não jogo

Recebi uma carta assinada pelo Luiz Felipe Scolari, o selecionador (sic) nacional. Uma vez que o envelope não tem remetente, vejo-me obrigado a responder aqui.
Caro Scolari:
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que não sou seu amigo. Tenho alguma admiração profissional por V. Exa., por ter sido campeão mundial de futebol ao serviço do Brasil - desporto, aliás, de que sou um grande entusiasta. Também me agrada bastante o facto de V. Exa. não convocar o arrogante do Vítor Baía ou o irascível João Pinto para a equipa nacional de futebol. Mas isso não me torna seu amigo, como compreenderá - os meus amigos escolho-os eu, segundo os meus próprios critérios (em bom rigor, são eles que se transformam em amigos, depois de algum tempo de conhecimento, simpatia recíproca, interesses comuns, etc.)
Depois, como V. Exa. desconhecerá, sou contrário à realização do Euro 2004 em Portugal. Não apenas porque entendo que é um desperdício escandaloso de dinheiros públicos (cujo emprego seria mais útil noutras áreas), como pelo facto de não ser particularmente sensível ao lobby da construção (talvez por não ter carreira política). Devo dizer-lhe, para que não haja mal-entendidos, que sou associado do Benfica há mais de 25 anos. Até já tenho a águia de prata. Mas as quotas (em dia) e os bilhetes para os jogos tenho-os pago do meu bolso, sem recurso ao orçamento de Estado, e creio que assim é que é correcto. Já me basta financiar o Marítimo...
No entanto, também não consigo perceber, por exemplo, que falta fará um estádio em Faro, que serve clubes tão representativos da nação, como o Farense ou o Olhanense, e por que razão tem de ser o erário público a custeá-lo. Mas esse problema é só meu, certamente.
Digo-lhe mesmo que achei ridículas as imagens de contentamento pateta dos representantes do país (o Carlos Cruz, lembra-se dele?) quando foi anunciado o nome de Portugal para organizar este torneio de futebol. Ou que ainda fico envergonhado quando vejo o presidente da república, em posse de Estado (ao lado ou não de membros do Governo ou deputados em "trabalho político"), a assistir a um qualquer jogo da bola.
Caro Scolari, não partilho da doutrina oficial segundo a qual o UEFA Euro 2004TM é uma oportunidade para «mostrar um Portugal moderno e empreendedor», pela simples razão que tal Portugal não existe. Não sou só eu ou o Vasco Pulido Valente quem o diz: é o Governo, que constantemente critica a sua própria organização (Administração Pública) por ser atrasada, retrógrada, burocrática, etc., num país que «está de tanga». São os dados da OCDE que o repetem, são os telejornais que o demonstram todos os dias. Basta ir ao interior do país ou à periferia das cidades. Não são só estádios de futebol o que falta de "moderno e empreendedor". São as escolas, os hospitais, os serviços públicos em geral, o ambiente, o ordenamento, as condições de trabalho, a justiça social e outros pormenores.
Por último, o pequeno lampejo de alegria por ter sido convocado esfumou-se quando vi que, afinal, «todos os portugueses estão convocados». Bolas. Se estamos todos convocados, que mérito tenho eu para ser convocado em nome pessoal? Assim, não vou! Além do mais, certamente não faria uma equipa ao lado de muita boa gente.
Adeus e boa sorte.
CC

dia mundial da música

O primeiro amor: The Smiths.
Vida em comum: Radiohead.
Flirt actual: Muse.
CC

pássaro azul

O teu sorriso luminoso pela manhã, um aceno desconhecido, a recordação das tuas lágrimas magoadas, o reencontro com os Smiths, todas as ausências próximas e a vinda de um novo mundo que há-de vir.
Estou preso à vida por laços frágeis.
CC

é aqui que eu deixo o dinheirinho...

My Collection
LR

Imperdível

"Hamm - (...) Por que razão ficas comigo?
Clov - Por que me reténs?
Hamm - Não há mais ninguém.
Clov - Não há mais nenhum emprego."
(...)
"Nell - Não há nada tão divertido como a desgraça, concordo contigo, mas ...
Nagg (escandalizado) - Oh!
Nell - Sim, sim, é a coisa mais cómica do mundo. E nós ríamo-nos, ríamo-nos com vontade, ao princípio. Mas é sempre o mesmo. Sim, é como uma história divertida que nos contam muitas vezes, continuamos a achá-la divertida, mas já não nos rimos (...)."
in "Fim de Partida", Samuel Beckett, Ed. Diário de Notícias
AR

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